terça-feira, 13 de outubro de 2009

Mistérios entre o céu e o amor - Aisha

“Há mais mistérios: ... entre o céu e a terra, do que pode imaginar a nossa vã filosofia!”
Shakeaspeare


Mistérios entre o céu e o amor
Aisha

E saiu a caminhar, louca pelas ruas tinha sua visão muito longe dali. As pessoas passavam e a olhavam, mas nada mais importava. Queria mesmo era seguir, chegar em qualquer lugar onde pudesse reencontrar aquilo que durante toda sua vida procurou.
Dessa vez foram longe demais, a vida fora longe demais... Nos últimos dias perdera tudo que tanto lutou para conquistar, seus objetivos, sonhos, tudo havia se perdido...
Não se conformando com o próprio destino, saiu em busca de si própria Em algum lugar haveria de se achar, mas onde encontraria os porquês de tudo isso? Como encontrar algo que jamais conheceu? Assim sentia-se naquela manhã. Onde poderia achar a alegria de viver que nunca foi sua? Apenas fora-lhe emprestada para que conhecesse e a vivesse por algumas horas.
Nem mesmo o controle de si mesma lhe restou. Saíra tão desesperada que nem se deu conta que estava completamente nua. Fato esse só percebido quando dois policiais lhe abordaram envolvendo seu corpo com um velho cobertor. Assustada, olha os dois homens parados à sua frente e essa é a última imagem que vê antes de acordar no quarto da Santa Casa para onde foi levada desacordada. Ainda com grande sonolência devido aos calmantes que lhe deram, vê que há mais alguém junto de si. Ao seu lado direito, ele, elegantemente vestido lhe sorri com semblante de paz. Ao vê-lo novamente ali ao seu lado, fecha os olhos enquanto uma lágrima lhe escorre pela face. Na verdade não queria fechar os olhos, queria vê-lo melhor, talvez decorar seus traços para não esquecer nenhum detalhe das linhas que desenhavam seu rosto.
Cansada, totalmente exausta devido às últimas horas, entregou-se ao sono que os fortes medicamentos lhe trouxeram. Lá, bem dentro de si mesma, sabia que ele ficaria ali ao seu lado e que ao acordar seria dele o primeiro rosto que veria novamente. E assim, entregou-se desarmada ao sono. Como criança no colo da mãe, aproveitou daquele momento e dormiu...

***

Seus olhos abriram-se tocados pelo sol da manhã que invadia o quarto. Tinha o melhor quarto da casa que recebia logo cedo a luz que lhe mantinha arejado e iluminado. Mas naquela manhã, o sol estava sendo cruel com ela. Queria continuar dormindo um pouco mais. Ainda com dificuldade, abriu os olhos lentamente e foi vendo perplexa a imagem que se formava a sua frente. Fechou e abriu seus olhos várias vezes até que conseguiu levantar-se da grande cama onde dormira. Caminhou pelo quarto observando todos os objetos que estavam ali. Tudo muito antigo... No centro a enorme cama de casal de onde levantara, à esquerda, no canto, uma cadeira combinando a decoração do quarto que era em tons marrom. Nas paredes havia quadros e fotos de pessoas que ela desconhecia completamente. "Quem seriam? Onde estaria?" Perguntava-se a si mesma conforme descobria os detalhes depositados naquele quarto onde não sabia como ali fora parar.
Encaminhou-se para a grande janela à sua esquerda. O dia estava lindo àquela manhã. Abaixo do céu azul, uma grande árvore levantava-se alcançando sua janela onde vários pássaros cantavam anunciando o início de mais um dia.
Quase em êxtase com tão bela visão, foi despertada pelas palavras daquele homem que estava bem ali, embaixo da janela chamando-a para o café.
Voltou atônita para o quarto sem saber quem era ele ou o que significava aquilo tudo. Não se lembrava daquele lugar ou daquelas pessoas que vira nas fotos do quarto, até mesmo o quarto onde acordara lhe era totalmente estranho.
Conforme descia as enormes escadas que separavam um andar do outro, olhava tudo tentando restabelecer algum laço de memória, mas tudo em vão, pois não se recordava de nada.
O homem lhe esperava na soleira da escada, em pé, com seu terno de linho claro, mais que observar, ele a admirava. Tomou-a pelas mãos levando-a para a sala onde eram servidas as refeições.
Enquanto tentava entender tudo aquilo, seu olhar encontrou com o dele que nesse momento a olhava num misto de carinho, amor e preocupação. Aproximando-se dela, indagou o que estava sentindo. Refletindo, puxou suas mãos das dele perguntando o que estava acontecendo, quem era ele e onde estava.
O homem a sua frente pareceu perder a cor. Seus olhos agora repletos de preocupação a olhavam enternecidos.
- Então é isso, você não se lembra novamente, outro lapso de memória...
Assim ele lhe explicara que havia algum tempo, ela fora encontrada nas redondezas de onde estavam sem saber quem era ou de onde viera, assim se conheceram, se apaixonaram e, certos de se amarem, casaram-se, mas esses lapsos voltaram causando-lhe essas amnésias. Pedia-lhe para manter-se calma que tudo se resolveria.
Então, era casada, tinha uma família... Teria filhos também? Essa pergunta lhe perturbou mais ainda, pois que tipo de mãe esqueceria os próprios filhos?
Não se reconhecia naquelas roupas, naquela casa, com aquele marido ou casada e talvez mãe. Nem mesmo o tempo parecia o seu, visto ali ser tudo antigo demais, lembrando algum dos séculos que já ficaram para trás. Não se lembrava de nada, mas sabia que jamais usara aquele tipo de roupa que até lhe podara os movimentos.
Envolvida em seus pensamentos e indagações, viu-se novamente com seu suposto marido a sua frente dizendo-lhe que seu médico já fora chamado e que seria melhor deitar-se. Voltando para o quarto onde acordara sentou-se na cama enquanto o homem lhe segurava as mãos. Não sabia explicar o porque, mas sentia-se segura ao seu lado. Via em seus olhos um brilho que lhe era familiar, seria mesmo aquele homem seu marido? Atormentada com tantas perguntas que sua mente formulava, foi interrompida com a chegada do médico. Um senhor baixinho, calvo, óculos na ponta do nariz como se estivesse para perdê-lo a qualquer instante. Esse lhe abriu um lindo e caloroso sorriso passando-lhe as mãos pela cabeça num gesto de carinho. De repente sentia que a solução para seus problemas estava bem ali, em pé diante dela.
Após examinar-lhe, o médico lhe prescreveu descanso e muita paciência. Tranqüilizou-a e saiu acompanhado pelo marido. Ela permaneceu ali, deitada olhando para a grande árvore emoldurada pela janela de seu quarto. O que fazer?... Ele voltou e, na segurança que seu abraço lhe trouxe, ela adormeceu.

***

Os elevadores da Santa Casa anunciavam sua chegada aos andares com enorme estrondo. Assim ela acordou, assustada com tal estardalhaço, pois ainda não ficara tempo suficiente acordada para habituar-se ao imenso barulho dos mesmos.
Ele já não estava mais ao seu lado e também não tinha mais o abraço no qual adormecera. No seu lugar, alguns homens de branco a examinavam e conversavam entre si na linguagem médica que só mesmo os médicos entendem.
Fazia sol naquela manhã. As folhas já em tons envelhecidos anunciavam o outono que chegara. A paisagem do belo jardim encheu seu coração de um sentimento que já não se lembrava mais. Fechou os olhos sob o azul do céu com intenção de manter o mais possível àquela sensação quando um homem apareceu a sua frente perguntando como se sentia. Imediatamente abriu seus olhos tentando enxergar a figura do homem que se dizia seu marido e surpreendeu-se ao ver-se decepcionada por não encontrá-lo. No seu lugar, apareceu-lhe um homem, muito simpático, usando jeans e o azul de seus olhos quase se confundiam com o azul do céu, fato esse que lhe chamou a atenção.
Sem saber ainda de quem se tratava, respondeu-lhe afirmativamente, pois naquela manhã em especial sentia-se mesmo muito bem, bem como há muito tempo não se sentia, apenas aquela sensação de que algo estava lhe faltando ainda persistia dentro de si, sensação essa que ela não conseguia explicar nem para si mesma.
Ele a conduziu em sua cadeira de rodas até um banco próximo e sentou-se. Ai então se apresentou dizendo-se médico psiquiatra e que seria então o seu médico.
A Casa de Saúde Divina Misericórdia era um centro médico para doentes mentais, um sanatório e seus internos logo começaram a chamar sua atenção. Enquanto o médico tentava lhe explicar sua estadia ali, ela olhava ao redor observando o comportamento de um dos internos que, sentado, permanecia imóvel como que olhando o nada. Assustada, olhou para o homem despojado a sua frente, vestido de jeans e um tênis e que se dizia seu médico. Como que adivinhando seus pensamentos, o médico tratou logo de explicar-lhe, dizendo que tinha chegado há pouco tempo para desenvolver seu trabalho na Casa de Saúde e tinha sua forma própria de trabalho e uma delas era abolir o uniforme branco, preferia assim, ficar o menos formal possível. E assim, o médico lhe relatou tudo o que aconteceu, desde sua chegada na clínica onde estava.
Enquanto o ouvia, recordava a sensação que lhe levou até aquele momento. O tamanho da dor que sentia, uma dor que não mostrava ferimentos, mas que lhe sangrava a alma. Essa recordação ficou refletida em seu rosto, em seu olhar e o médico percebendo, pediu-lhe para que falasse a respeito. E ela o fez. Falou da dor que sentira, causa que lhe levou a sair pelas ruas buscando talvez um conforto para aquilo que se instalara em sua alma. Passaram assim toda a manhã conversando no jardim, médico e paciente. Ao término da conversa, já estavam se entendendo até que bem para um primeiro encontro, uma primeira terapia. Já de volta ao seu quarto, perdeu-se pensando no homem que se dizia seu marido. Quem seria ele? O que teria acontecido? Teria sido simplesmente um sonho ou estaria mesmo ficando louca? Tais pensamentos lhe angustiaram e assim pensando, sob efeito dos medicamentos que tomara, novamente adormeceu.

***

Como é bom sentir-se amada... A sensação de tê-lo dormindo ao seu lado, ter seu corpo abraçado pelo dele era tão boa que não ousava abrir os olhos. Se fosse um sonho, não queria acordar e assim, sentiu um beijo, quente e suave, um beijo que lhe falava nas mudas palavras sobre o verdadeiro sentido do amor, um beijo calmo, tranqüilo, mas ao mesmo tempo, forte e repleto de desejo. Foi assim que lentamente abriu os olhos e ao ver-se refletida no brilho dos seus olhos, não teve dúvidas. Ela o amava e sabia ser ele a causa daquela sensação que novamente lhe trazia luz à alma.
Seguindo o que sua alma e seu corpo lhe pediam, entregou-se inteira naquele momento ao ato sublime do amor que só aos amantes de alma é permitido conhecer. Sentiu a vida renascendo em si, sentiu-se completa como se naquele momento tivesse encontrado todas as respostas de que precisava e as quais sempre buscara. Ele era seu marido e ela, sua mulher. Naquele instante onde só o amor ditava as regras, isso parecia bastar-lhe, pois com ele sentia-se novamente em casa e em paz.
Aquela foi uma linda manhã. O sol lhe presenteava com seus raios, enchendo de vida o grande jardim da casa onde tomavam o café da manhã. E foi então que ela resolveu falar sobre o que estava acontecendo e sobre a necessidade que sentia de descobrir quem era e como havia chegado ali. Conversaram muito naquela manhã de outono e ele lhe contou novamente sobre a primeira vez que lhe viu desmaiada debaixo de uma árvore nas proximidades da grande casa. Naquele exato momento, apaixonou-se por ela e sentiu que ali estava a mulher que queria para sua vida. A tomou em seus braços levando-a para casa onde recebeu os cuidados médicos necessários. Ela recuperou-se logo e dali a casarem-se, foi só o tempo necessário para correrem os papéis, pois tanto um quanto outro estavam certos do amor que sentiam e do que queriam para si. E tudo ia bem até o dia anterior quando ela acordou novamente desmemoriada. Ela o ouvia atentamente e sentia que nele havia esperança e fé, algo que ela já não se lembrava mais que pudesse ainda existir. Estavam casados há três anos e ela não se lembrava de nada. Ali só tinha a certeza de que amava aquele homem e que ele era tudo o que ela precisava para ser feliz e ter a paz que tanto buscou.
Os dias que se seguiram foram feitos de sonhos. Tudo estava perfeito. O amor entre os dois aumentava cada vez mais e, enquanto o tempo passava ela ia lentamente se familiarizando com tudo e todos que por ali viviam.
Numa certa manhã ao acordá-la com o beijo habitual, ele notou que ela não estava bem. Ele a chamou, ela apenas conseguiu pedir-lhe que a ajudasse. Sua cabeça doía demais, não conseguia abrir os olhos e os sentidos sumiam. Ele pôs-se em pé rapidamente saindo para chamar o médico. Nesse momento a dor de cabeça aumentou tanto que a fez perder os sentidos. Ao voltar para o quarto e encontrá-la desacordada sentiu-se desesperado. Sua alma parecia partida em duas, sentia que sangrava por dentro, tamanha a dor e o medo de perdê-la e como que querendo segurá-la ali consigo, abraçou-lhe fortemente junto ao peito.

***

Quais sensações ou lembranças traz o coma... O que acontece, quais danos pode provocar?
O sorriso e o alívio, a alegria estava no rosto do médico ao vê-la acordar. Ela quis falar, mas ele não deixou, pois ela estava muito fraca. Disse-lhe para ficar em silencio e calma que tudo iria se resolver, tudo estava bem agora.
O médico não era o tipo de profissional que se conformava em perder um paciente. Não! Ele queria salvar, curar e não aceitava quando perdia para morte. Era teimoso e persistente e acreditava tanto na cura que foram poucos os pacientes que não conseguiu salvar. E esses já lhe pesavam muito na consciência, não poderia perdê-la, não ela. Aquela mulher havia se tornado uma paciente especial aos seus olhos, pois, depois daquele dia onde passaram toda a manhã conversando, ela não saíra mais de seus pensamentos. Algo dentro dele havia mudado. Quando foi notificado de que ela havia entrado em coma naquela tarde, um grande desespero o tomou. Sabia que deveria trazê-la de volta, não sabia como, mas a traria, como a trouxe e isso lhe deixou imensamente feliz e com uma deliciosa sensação de vitória.
Olhou mais uma vez para ela ali a sua frente, pálida naquela cama e pediu-lhe que descansasse e que depois quando estivesse melhor conversariam. Afastou-se, mas seus pensamentos continuaram com ela. Ele não sabia ao certo o que estava acontecendo consigo mesmo, mas sabia que era algo muito grande e que tinha tudo a ver com aquela mulher que parecia ter-lhe tomado a alma.
Acordou e já era noite. O médico ao seu lado lhe sorriu. Terminado seu turno, decidira por ficar ali com ela até que acordasse, pois ele queria ter a certeza de que realmente estava bem, mesmo com todos os exames apontando para isso, queria ver com seus próprios olhos.
Ela não acreditava que estava naquele lugar outra vez. Tão grande a tristeza por qual foi tomada que começou a chorar. Ele então, segurando sua mão pediu que se acalmasse e assim ficaram até que ela melhorou e começou a contar-lhe tudo o que estava acontecendo. Sem saber explicar o porque, ele simplesmente acreditou nela. Acreditou que de certa forma ela estava mesmo vivendo aquilo que lhe contava, mesmo que fosse uma realidade alternativa, por acreditar como acreditava, ela realmente a vivia. Ao falar-lhe isso, ela percebeu que ele não acreditava como ela acreditava, pois dentro de si, tinha certeza de que tudo aquilo que viveu foi real e que seu marido lhe esperava e algum lugar que ainda não sabia onde. No desespero de voltar, pediu ao médico que lhe ajudasse e ele concordou dizendo-lhe para fazer o tratamento conforme ele o prescrevesse. E assim fizeram. Embora não gostasse de receitar remédios para seus pacientes, cedeu à sua própria vontade nesse caso, pois o medo de perdê-la era muito e não se arriscaria a isso. Apelou assim aos fortes medicamentos. Ela, confiando que ele a ajudaria a voltar para sua vida ao lado do homem que amava, cegamente entregou-se aos seus cuidados.
Nos primeiros dias deixou-se dopar pelos fortes medicamentos, mas, logo depois, começou a não os tomar mais. Enganava os enfermeiros, fazia que dormia e, no entanto, só pensava numa forma de sair daquele lugar. Numa de suas conversas com o médico, chegou a pedir-lhe que lhe desse alta, que a mandasse de volta para casa, pois já se sentia melhor. Mas o médico, não se arriscaria a perder-la. Sabia que o que sentia por ele era apenas amizade e gratidão, sentimento esse que não queria. Ele a queria sim, mas como mulher e queria também que sentisse o mesmo por ele. Sabendo que isso estava longe de acontecer, preferia deixá-la ali, sob seus cuidados, mesmo que fosse a base de medicamentos. Seria essa sua forma de tê-la para si.
O tempo foi passando e ela percebendo o que de fato estava acontecendo. Tentou a fuga por várias vezes, mas de nada adiantou, pois havia sido colocada na ala de segurança, tendo assim enfermeiros dia e noite vigiando todo o andar. Cada vez que tentava fugir e era pega, recebia doses altas de calmantes que lhe deixavam dopada por dias.
Foi assim, numa dessas tentativas de fuga, que numa manhã ela aproveitou-se de uma pequena distração por parte dos enfermeiros, pois um dos pacientes havia se cortado todo numa crise que tivera. Todos o estavam socorrendo e ela viu que seria esse o melhor momento. Ainda estava um pouco fora de si. Atordoada, sem reflexos, devido ao excesso de calmantes que recebera, mesmo assim, não pensou duas vezes e seguiu pela única chance que teria, ela sabia disso, seria agora ou nunca mais. E assim, saiu como estava. A roupa que os internos da ala de segurança usavam era apenas uma camisola com abertura atrás e, ela, ao desviar-se dos funcionários, acabou por despir-se, mas tamanho era seu desespero em sair daquele lugar que nem se deu conta que estava nua e assim, ganhou a rua e seguiu.
Mal governava suas pernas e não sabia para onde ir, só sabia que tinha que correr para longe daquele lugar e saiu a caminhar, louca pelas ruas tinha sua visão muito longe dali. As pessoas passavam e a olhavam, mas nada mais importava. Queria mesmo era seguir, chegar em qualquer lugar onde pudesse reencontrar aquilo que durante toda sua vida procurou.
Dessa vez foram longe demais, a vida foi longe demais... Nos últimos dias perdera tudo que tanto lutou para conquistar, seus objetivos, sonhos, tudo havia se perdido... De repente, sente seu corpo envolvido por um velho cobertor. Assustada, olha os dois homens parados à sua frente e essa é a última imagem que vê antes de acordar...

*Aisha*

Anjo da noite - * Poesia em imagem *


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Noite em fúria - Aisha

A noite já era alta. Tudo parecia dormir na grande casa. O escuro do quarto foi interrompido pelos fortes relâmpagos que se mostravam enfurecidos na grande vidraça onde a chuva forte estourava, como que quisesse invadir o velho quarto apossando-se de Ana.
Sozinha em casa, deitada em sua cama com as cobertas tapando-lhe meio rosto, ela rezava para que a tempestade se acalmasse, tamanho o pavor que sentia. Aliás, medo esse que a acompanhava desde criança pois lembrava perfeitamente das noites de tempestades quando dormia com a mãe na grande cama de casal que seu pai ocupara enquanto vivo.
Hoje sua mãe já não estava mais na grande casa. Estava ali, ela e seus “fantasmas”, sozinha. Medos e pensamentos misturavam-se em sua mente, quando foi desperta pelo barulho de passos vindos da escada velha de madeira. Num sobressalto, viu-se em pé ao lado de sua cama. Olhou fixo na porta esperando que ela se abrisse.
Mãos frias e úmidas, coração saltando forte no peito, viu a grande maçaneta da porta girar lentamente. O tempo parecia parar e o chão de madeira sumia aos seus pés. Aflita, já não respirava mais.
Em passos lentos, aproximou-se da porta. Com mãos trêmulas, segurou a velha maçaneta que parara de girar. Tirou forças não se sabe de onde, e abriu a a porta .. Deparou-se com um grande vazio. Tudo escuro no largo corredor que mais parecia fazer parte de um museu. Seguindo seus instintos, buscou explicações para o barulho que ouvira, e foi até o corredor chegando à velha escada. Nada encontrou, somente o grande vazio que se perdia na escuridão da noite.
A tempestade continuava forte. De volta ao seu quarto, agora totalmente desperta, sentou-se na velha escrivaninha e começou a escrever sem saber ao certo o que ou para quem. Percebeu então que iniciara uma carta de despedida. Nela explicava o motivo de sua morte. Num salto, largou a caneta afastando-se da escrivaninha. O barulho da cadeira caindo no velho assoalho de madeira ecoava pela casa. Não! Decididamente não podia mais continuar ali! Aquela casa mexia com seus sentidos, tirava-lhe o equilíbrio que lutara tanto por manter.
Em meio ao desespero, fez as malas. Algumas poucas trocas de roupas mal colocadas numa bolsa de viagem e pronto. Estava pronta para partir! Desceu rapidamente pelas escadas abrindo a porta da frente que dava para a varanda quando se deparou com um homem alto, traços rústicos que lhe lançava um olhar distante. Instintivamente Ana fechou-lhe a porta e voltou correndo para seu quarto. Trancou a porta escorando com a pesada cadeira que derrubara momentos antes. Foi até janela, e viu que a distância do telhado até a árvore a sua frente não era grande e resolveu sair por ali mesmo.
A chuva fria tocava-lhe o corpo como lâminas afiadas. Ana saltou para o telhado e seguiu rumo à grande e frondosa árvore à sua frente. Num salto, agarrou-se a um galho e por ele chegou ao tronco. Ficou ali escondida, onde podia ver o homem que arrombara a porta de seu quarto e entrara com passos largos.
Sabendo que não poderia ficar naquela árvore a vida toda, decidiu descer enquanto o homem ainda estava na casa, assim ganharia tempo na fuga. Desceu apressada, sem olhar para trás e seguiu correndo em meio à estrada de terra que com a forte chuva, virara lama. Ana escorregou várias vezes, tamanha a dificuldade de se manter em pé. O desespero tomara conta de todos os seus sentidos. O frio, a chuva, a lama, a escuridão... O mundo parecia querer tirar-lhe a vida. Ana correu sem saber para onde; sem parar! Precisava salvar-se! Precisava livrar-se daquele homem. Onde estaria o tal homem? Era um assassino, um assaltante?
Sua casa era afastada da cidade. Não existia nenhuma outra casa por perto. Desesperada e só, Ana correu em meio à escuridão e à chuva que fazia a lama crescer ainda mais sob seus pés...
Naquele momento Ana pensou que não suportaria mais tanto pavor . Estava quase desistindo, quando num só estrondo as luzes à sua frente se acenderam transformando a noite em quase dia, tamanha era a potência, e num grito forte ao longe se ouviu: “Corta! Perfeito!! Por hoje é só pessoal. Todos estão dispensados! Amanhã continuaremos a filmagem"
E Ana finalmente dormiu.

*Aisha*

Peitos novos - Aisha

Sabe quanto custa um par de peitos novos? Pois é, o espelho acusava que os dela já tinham ido. Olhavam descorçoados para o chão o tempo todo e com isso não se conformava. Informou-se, procurou o SUS, convênios médicos, mas nada, seu caso não era de risco, portanto, convênio não cobria a cirurgia plástica e o SUS então, nem se fale... Bem, não era de risco porque não eram eles que todo dia tinham que olhar para aquilo ali, daquele jeito. Altamente depressiva a cena. Não suportava mais, tinha que dar um jeito. Levantou a cabeça e foi à luta. Comprou seu mais novo cofrinho e jurou que dali tiraria seus novos peitos.

Era secretária em um escritório de contabilidade. Além do seu trabalho resolveu que faria uns "bicos" para ajudar na mais nova aquisição. Pronto, lá foi ela! Meteu-se em artesanato. Mal chegava em casa e já ia pegando suas peças de gesso. Pintava anjos, santos, imagens no geral, fazia sabonetes, velas, costurava mantas e coisas do tipo. Finais de semana, faxina. Não em casa, mas nas casas que lhe pagavam pelo serviço, além de se colocar eventualmente como babá.

Tanto fez que um dia o cofrinho encheu e lá foi a moça atrás do médico, aquele que todo mundo falava que sabia fazer peitos como ninguém. Marcou uma consulta, pagou toda dona de si e foi para decidir o que seria sua felicidade. Tudo acertado e sentiu-se a mais feliz das mulheres. Nem mesmo a volta da cirurgia, sabe aquele momento quando o efeito da anestesia vai passando e a dor aumentando, o estomago enjoando, nem mesmo esse momento foi suficiente pra lhe tirar a alegria. Havia conseguido realizar seu sonho e, mal conseguindo se ajeitar em pé, foi assim toda meio dura apoiando-se pelas grades da cama - pois se mexer ali no caso era quase impossível - procurar um espelho, pois precisava ver a grande obra, seus novos peitos. Não foi naquele momento o encontro dela com a imagem tão esperada, precisou ser adiada por alguns dias. Assim que pode ver, deparou-se com o que lhe cairia como a imagem mais linda que seus olhos já viram. Embora toda roxa e cheia de hematomas, o importante é que estavam ali, prontinhos e olhando pro céu.

Feliz, volta ao trabalho. Vestiu-se de forma sensual, saia justa, salto alto e uma blusa que... E agora? Parou e pensou no quanto havia investido nos novos peitos. Quem os veriam? Ela já não bastava, precisava mostrá-los a todos, afinal, lhe custou muito caro e quanto não trabalhou para aquela nova aquisição. Sapatos, roupas, jóias, casas, carros, tudo o que se compra tem como ser mostrado, aliás, as pessoas adoram mostrar tudo o que compram, ela também tinha que dar um jeito de mostrar a todo mundo os peitos novos que comprou com tanto sacrifício...
Tentou várias blusas. Blusas coladas, decotadas, transparentes, mas não, nenhuma iria mostrar o tanto que queria os peitos que estavam tão lindos e tão novos. Investiu em uma blusa decotada e um pouco transparente. Caprichou na lingerie e foi esperando pela recompensa dos comentários. Chegou no escritório na maior expectativa da sua vida. Esperou o dia todo e nada, nenhum comentariozinho sequer.
O ser humano é muito cruel. As mulheres não comentaram porque eram invejosas e não queriam dar o braço à torcer diante dos peitos perfeitos de outra mulher. Os homens olhavam discretamente, assim de rabo de olho, escondidinho sabe, porque achavam que deveriam manter o respeito. Quase o horário de sair, terminando expediente e nada... Voltou pra casa, olhou-se no espelho como sempre fazia e ficou feliz com o que viu e percebeu que o que importava de fato era sua própria realização. Naquele momento não importava mais os comentários que lhe negaram, mas sim a felicidade que sentia. Conseguiu o que parecia impossível no início e isso já lhe bastava.

Oito horas da noite, toca o telefone, um convite pra jantar. Seriam os novos peitos? Aceita. Do encontro o namoro, noivado, casamento. Ainda hoje pensa se tudo aconteceu pelos peitos que conseguiu ou porque tinha mesmo que acontecer. Primeiro, segundo, quarto filho e chega, já não quer mais. A família cresceu, o corpo manteve, mas os peitos, antes tão novos não agüentaram tanta gravidez. Olha os filhos, vê os peitos, olha o marido que lhe olha amando como no início e percebe que os peitos já não têm mais tanta importância pois percebe o próprio olhar admirando o amor que lhe vê através dos olhos do próprio marido.

O amor é lindo e ajuda fazer uma enorme economia...

*Aisha*