quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Floresta - Aisha

E lá estava ele, mais uma vez contemplando o amor, não uma mulher qualquer, mas sim a que seu coração elegeu como a dona de sua vida, de seus atos, de seus pensamentos. Podia agora e queria mais que tudo apenas olhar seu corpo dormindo entregue sobre a cama ainda carregando os sinais do amor que acabaram de fazer. Era sem dúvidas a mais bela visão de toda sua vida.

Era já um homem maduro em seus 48 anos. Nunca estivera envolvido com mulher alguma. Nunca conhecera a força do amor ou a suavidade do toque de quem ama. Nunca se perdera pensando no tempo que o relógio segurava em si e que faltava para ter novamente a felicidade em suas mãos... Sim, de fato a vida lhe pregara agora a mais bela peça, tão bela como jamais ousou imaginar possível. Era um homem maduro, vivido, experiente. Alcançara o sucesso profissional pelo qual tão arduamente lutara. Tinha o respeito e reconhecimento tão merecidos pelos anos dedicados à medicina. Como médico, dedicara-se em tempo integral aos seus estudos, pesquisas e pacientes. Não descansava, até mesmo sua vida pessoal deixou de lado tamanho o amor à profissão escolhida antes pelo pai, hoje por si mesmo. Infectologista, dedicava-se em salvar vidas e aos estudos buscando respostas que certamente mudariam o rumo da medicina. Para tanto havia se mudado para uma aldeia no coração da Amazônia, aonde uma tribo vinha apresentando uma doença ainda desconhecida e antes que se tornasse uma epidemia, alguns médicos decidiram por mudar-se para lá esperando assim, mais perto, descobrir causas e curas.

Chegando ao improvisado hospital sem quase nenhuma infra-estrutura, já pode perceber que seu trabalho ali seria muito difícil, mas como adorava desafios, sentiu-se animado a iniciar imediatamente seu trabalho e assim o fez. Colocou-se a arrumar os equipamentos que trouxera e pos a dar início ao trabalho. A noite já ia longe quando abruptamente foi chamado pelos aldeões. Havia ali uma jovem que pelos sinais apresentados, havia sido infectada pela cruel doença. Ao vê-la ali desacordada, tratou de acomodar-lhe em um dos leitos também improvisados e prestar-lhe os primeiros socorros. Todos os três médicos iniciaram a luta para salvar a jovem de tão cruel destino.

Os sinais apresentados eram febre altíssima, provável causa das alucinações dos pacientes, dores fortes no corpo iniciando pelo estomago, fígado e rins e se espalhando por todo organismo a ponto de tirar-lhes os movimentos e por fim, sangramento. Sangravam pelos olhos, nariz, boca, ouvidos até que, virando hemorragia não havia mais muito a fazer.

No momento, ela seria seu maior desafio. Estava ainda no primeiro estágio e teria que controlar a febre. Como faria para descobrir a causa daquela doença num ambiente tão rudimentar como aquele? Tinha que dar um jeito, sabia que algo deveria ser feito, e o fez. Tentou os antibióticos mas eles de nada adiantaram. Já não sabia mais o que fazer, seus colegas estavam perdidos não achando uma saída para salvar aquela paciente. Mesmo assim ele não desanimava, ainda tentava achar algo, algum sinal que lhe mostrasse o caminho.

Três longos dias já se iam quando um dos aldeões lhe trouxe uma erva. Era um homem rude, vestido de forma diferente e carregava em uma das mãos um cajado. Trazia no pescoço um colar com objetos diversos que talvez mostrasse aos que entendessem, um pouco da sua crença. O pequeno homem nada disse, apenas lhe entregou as ervas e sumiu no meio da noite, assim como chegou. Não havia mais muito a fazer, a moça com febre altíssima fora amarrada à cama pois se agitara demais com as alucinações, o que acabara lhe colocando em risco. Ele então, ferveu as folhas e deu-lhe a beber sentando-se ao seu lado. Rezou. Pensava nesse momento no tempo em que era criança, a conversa que tinha com Deus, o mesmo Deus que hoje recorria após tantos anos... Será que Deus ainda se lembrava dele? Será que o atenderia mesmo com todos esses anos em que se ausentou de Sua presença? Dormiu ali ao lado da jovem agora mais calma, pois a febre parecia estar diminuindo.

Nunca, em toda sua vida havia visto algo assim. O dia trazia-lhe um azul imensurável. Embora forte o calor, o frescor da mata que cercava a aldeia abraçava a todos e seu corpo agradecia o frescor. Deitada à sua frente, a jovem o olhava. Seus olhos o capturavam sem soltar-lhe, penetrando sua alma, seus pensamentos, seu coração... A alegria de vê-la bem e sem febre deu lugar às ondas que corriam seu corpo provavelmente provocado pela força do olhar daquela mulher. Colocou-se a lhe examinar e constatou que a infecção havia sumido, desaparecido como que por encanto. Pedindo aos seus auxiliares que a alimentassem, saiu em busca da resposta para tal milagre. Que erva seria aquela? Quem seria aquele aldeão que a trouxera sem ao menos proferir uma única palavra? Vendo que a jovem já vinha sendo assistida, levantou-se para ir atrás do homem que lhe trouxe as ervas quando suas mãos delicadas o seguraram. Ao virar-se pode ver que sentia por ela algo como nunca sentira na vida, percebeu a importância de tê-la curado, não para a ciência, para a medicina, mas para si mesmo. Pela primeira vez em sua vida via-se extremamente egoísta e não se culpava por isso.
Tocou-lhe a face com o cuidado de quem toca um cristal e prometeu-lhe que voltaria.

Já na aldeia, buscava por pistas que o levassem ao homem que lhe trouxe as ervas quando uma mulher aproximou-se lhe tocando o braço. Era uma das anciãs que restou no local. Ela apontou-lhe um caminho e ao ver seu olhar, entendeu que ela sabia o que ele procurava. Sem titubear, avançou pelo atalho aberto à sua frente que o levaria para o interior da mata fechada que rodeava o local. Não pensava em mais nada, apenas queria encontrar o tal homem, quem sabe lhe daria respostas que até agora não havia ainda encontrado para combater a tal infecção?
E assim foi em sua jornada. As altas árvores escureciam o interior da mata e quanto mais andava, mais fechada à mata se tornava. Andou quase o dia todo sem parar, quando pensou já não mais agüentar, avistou ao longe uma clareira e no seu centro, o homem que o olhava como se o estivesse esperando. Parou ali mesmo sem saber se deveria ou não continuar. O homem pequeno o olhava fixamente e, lentamente virou-se, olhou-o novamente e seguiu por uma trilha. Ele pos então a segui-lo sabendo que o deveria faze-lo e em silencio colocou-se a caminhar. O ancião o levou a uma parte da mata onde parecia nunca haver sido pisada por branco algum. Tudo parecia ter sido jogado por Deus ali e ali ficado, intacto como o dia de sua criação. O ancião olhando-o, levantou o cajado, mostrou-lhe a erva e antes que ele lhe perguntasse tudo o que queria saber a respeito de quem seria, desapareceu como mágica. Ele, assustado, pegou as ervas e na aldeia iniciou suas pesquisas imediatamente. O ancião nunca mais lhe saíra da cabeça, não entendera ao certo o que aconteceu nem mesmo se de fato algo aconteceu. Sabe apenas que encontrou a erva e entendeu que algumas respostas, jamais teremos, não importa o caminho ou atalho que se pegue, importante é o fim do mesmo, o encontro, a cura que conseguira graças àquela erva que lhe mostrava o caminho do mais eficaz antibiótico natural.

Assim ele conseguiu a cura que procurava. Os aldeões foram todos curados. A aldeia voltava agora a sua vida normal, os médicos começaram a voltar aos seus lugares de origem. Teria apenas mais uma noite naquele lugar. Estava ali sentado, olhando o céu que lhe falava nas inúmeras estrelas que iluminavam a terra quando ela chegou e sentou-se ao seu lado. Nada foi dito, nada ouvido, apenas ficaram ali sentados, um ao lado do outro se permitindo sentir à alma um do outro. Ele sabia que tinha que voltar para dar continuidade ao trabalho ali iniciado, a deixaria ali. Ela o olhou, tocou-lhe a face e suavemente o beijou. Um beijo apenas e o amor aconteceu, personificou o sonho fazendo com que encontrasse a origem de si próprio.
Na mesma cama onde agonizou a jovem, médico e paciente se amaram na loucura dos que recebem por merecimento toda sabedoria universal. Muito mais que físico, cada orgasmo o remetia ao interior de um universo que até então não conhecia. Alfa e Omega encontrando-se num pólo único que alinhavam conhecimentos até então adormecidos pelas inúmeras matérias que pode então vestir. Aquela mulher lhe mostrou muito mais que um caminho, mostrou-lhe a própria salvação ao encontrar em seus olhos a alma um dia perdida nas dores e mortes que carregava em suas mãos.
Naquela noite ele sentiu-se remido e resgatado. Recebera de volta à própria vida e sabia que tudo seria diferente, novos caminhos, novos sonhos, novas auroras estavam por vir.

Olhou-a novamente entregue sobre a cama ainda carregando os sinais do amor que acabaram de fazer, pegou suas coisas e lentamente saiu levando consigo um amor que jamais ousou imaginar existir, um amor que duraria pra sempre pois era parte dele e, naquela noite ele havia descoberto que a eternidade existe e que ele, homem amor que se tornará, era tão eterno quanto a própria eternidade...
*Aisha*

Comércio - Aisha


quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Para você, um Feliz Natal!




Que as alegrias e bençãos do Natal
venham encher seu coração
e sua vida tornando essa data
ainda mais especial.
Para você e todos os seus,
um Feliz e Santo Natal!
*Aisha*







segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Transição - Aisha


Sentido ausente - Aisha

Pairava ali, o olhar distante do próprio corpo a fitar um horizonte que não podia alcançar. Em pé, entre a areia e o mar, mergulhava em secos sonhos a esperar pelo sol que se negava a chegar.

Ultima estrela no céu... Ultimo sonho na terra e mais um passo rumo ao destino não tão certo, mas já existente numa consciência agora liberta de toda tormenta.E a paz, apenas a paz, dada somente aos que conhecem a verdade do que são.
Os pés descalços sentem a primeira onda, água fria abraçando uma vida até então também fria de toda e qualquer emoção.

Os olhos ainda pairam ao longe do corpo que parece não mais existir.
Acorda o espírito ao toque frio das mãos do inverno que as águas abraçaram, uma gota do mesmo mar escorre-lhe pela face que tantos sonhos guardou em si.
Sente o gosto do sal e percebe-se como parte do imenso universo estendido à sua frente, líquido, o mesmo frio que tem nas emoções guardadas em si.

Tudo passa a ser uma continuação da vida que mal pode conhecer, ou viver...
Os olhos buscando ao longe um ponto sequer que lhe mostre um som, um tom ou mesmo a melodia que nunca conseguiu ouvir, param sua busca, entregam-se e derramam-se ao mar que os recebe com o acalanto sonhado em terras secas.
A pele, cada poro, sente apenas o abraço das ondas que lhe recebe plena e harmoniosamente.

E o silêncio...
Nada se ouve, nada mais é sentido. Pára a vida na melodia silenciosa que o pranto ecoou nas brumas formadas entre um corpo e a dor.
O universo líquido aquece o espírito, abatido, curando-lhe as feridas que na vida alcançou. Tudo passa a ser o nada nunca antes pensado ou almejado.

E mais uma vez, o silêncio, apenas o silêncio e o azul que começa a perder a cor...
E assim fecham-se os olhos, já sem cor, que tanto esperou poder encontrar a razão de sua busca... Fecham-se os olhos e fecham-se também os sonhos calando o canto que o mundo nunca pode ouvir...
Fecha-se o mundo na entrelinha da vida que nem ao menos conheceu a poesia do que é ser feliz.

E voa o corpo nas ondas firmes de um mar perdido entre o sonho e a razão, sente ainda o toque das asas que o recolhem na suavidade que nunca conheceu.
Vê-se então como parte de um todo, uma obra, seu apogeu.
Às águas salgadas do mar, derrama seu pranto no silêncio que sempre foi, misturando-se a mansidão que sempre buscou, sente-se agora na plenitude de uma vida que nunca conheceu.

E assim, fecham-se as cortinas no ato derradeiro que delimita o fim.
No último adeus, um som invadindo o silêncio que já se fazia existir na própria voz que agora, num último som, brada por perdão.
*Aisha*

Relicário - Aisha


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A casa - Aisha


Abrigo de paz com cheiro de infância,
nela as lembranças caminham
pelos retratos envelhecidos
que espalhados, contam as histórias
das vidas que a minha construíram.

Nela, os momentos ficaram gravados,
e cada tijolo carrega em si
os ecos das tantas risadas
e os muitos choros abafados
pelo barulho da chuva no telhado.

Nela, vi a vida acontecer
ao adormecer criança e despertar mulher,
ao descobrir o gosto do primeiro beijo
roubado numa tarde quente de verão,
e ao sentir o sabor da primeira paixão.

Nela conheci o fim, a despedida, o adeus,
chorei minha saudade, minha dor e parti,
hoje ela é a casa da minha infância
onde guardo as lembranças
dos melhores momentos que vivi.