quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Floresta - Aisha

E lá estava ele, mais uma vez contemplando o amor, não uma mulher qualquer, mas sim a que seu coração elegeu como a dona de sua vida, de seus atos, de seus pensamentos. Podia agora e queria mais que tudo apenas olhar seu corpo dormindo entregue sobre a cama ainda carregando os sinais do amor que acabaram de fazer. Era sem dúvidas a mais bela visão de toda sua vida.

Era já um homem maduro em seus 48 anos. Nunca estivera envolvido com mulher alguma. Nunca conhecera a força do amor ou a suavidade do toque de quem ama. Nunca se perdera pensando no tempo que o relógio segurava em si e que faltava para ter novamente a felicidade em suas mãos... Sim, de fato a vida lhe pregara agora a mais bela peça, tão bela como jamais ousou imaginar possível. Era um homem maduro, vivido, experiente. Alcançara o sucesso profissional pelo qual tão arduamente lutara. Tinha o respeito e reconhecimento tão merecidos pelos anos dedicados à medicina. Como médico, dedicara-se em tempo integral aos seus estudos, pesquisas e pacientes. Não descansava, até mesmo sua vida pessoal deixou de lado tamanho o amor à profissão escolhida antes pelo pai, hoje por si mesmo. Infectologista, dedicava-se em salvar vidas e aos estudos buscando respostas que certamente mudariam o rumo da medicina. Para tanto havia se mudado para uma aldeia no coração da Amazônia, aonde uma tribo vinha apresentando uma doença ainda desconhecida e antes que se tornasse uma epidemia, alguns médicos decidiram por mudar-se para lá esperando assim, mais perto, descobrir causas e curas.

Chegando ao improvisado hospital sem quase nenhuma infra-estrutura, já pode perceber que seu trabalho ali seria muito difícil, mas como adorava desafios, sentiu-se animado a iniciar imediatamente seu trabalho e assim o fez. Colocou-se a arrumar os equipamentos que trouxera e pos a dar início ao trabalho. A noite já ia longe quando abruptamente foi chamado pelos aldeões. Havia ali uma jovem que pelos sinais apresentados, havia sido infectada pela cruel doença. Ao vê-la ali desacordada, tratou de acomodar-lhe em um dos leitos também improvisados e prestar-lhe os primeiros socorros. Todos os três médicos iniciaram a luta para salvar a jovem de tão cruel destino.

Os sinais apresentados eram febre altíssima, provável causa das alucinações dos pacientes, dores fortes no corpo iniciando pelo estomago, fígado e rins e se espalhando por todo organismo a ponto de tirar-lhes os movimentos e por fim, sangramento. Sangravam pelos olhos, nariz, boca, ouvidos até que, virando hemorragia não havia mais muito a fazer.

No momento, ela seria seu maior desafio. Estava ainda no primeiro estágio e teria que controlar a febre. Como faria para descobrir a causa daquela doença num ambiente tão rudimentar como aquele? Tinha que dar um jeito, sabia que algo deveria ser feito, e o fez. Tentou os antibióticos mas eles de nada adiantaram. Já não sabia mais o que fazer, seus colegas estavam perdidos não achando uma saída para salvar aquela paciente. Mesmo assim ele não desanimava, ainda tentava achar algo, algum sinal que lhe mostrasse o caminho.

Três longos dias já se iam quando um dos aldeões lhe trouxe uma erva. Era um homem rude, vestido de forma diferente e carregava em uma das mãos um cajado. Trazia no pescoço um colar com objetos diversos que talvez mostrasse aos que entendessem, um pouco da sua crença. O pequeno homem nada disse, apenas lhe entregou as ervas e sumiu no meio da noite, assim como chegou. Não havia mais muito a fazer, a moça com febre altíssima fora amarrada à cama pois se agitara demais com as alucinações, o que acabara lhe colocando em risco. Ele então, ferveu as folhas e deu-lhe a beber sentando-se ao seu lado. Rezou. Pensava nesse momento no tempo em que era criança, a conversa que tinha com Deus, o mesmo Deus que hoje recorria após tantos anos... Será que Deus ainda se lembrava dele? Será que o atenderia mesmo com todos esses anos em que se ausentou de Sua presença? Dormiu ali ao lado da jovem agora mais calma, pois a febre parecia estar diminuindo.

Nunca, em toda sua vida havia visto algo assim. O dia trazia-lhe um azul imensurável. Embora forte o calor, o frescor da mata que cercava a aldeia abraçava a todos e seu corpo agradecia o frescor. Deitada à sua frente, a jovem o olhava. Seus olhos o capturavam sem soltar-lhe, penetrando sua alma, seus pensamentos, seu coração... A alegria de vê-la bem e sem febre deu lugar às ondas que corriam seu corpo provavelmente provocado pela força do olhar daquela mulher. Colocou-se a lhe examinar e constatou que a infecção havia sumido, desaparecido como que por encanto. Pedindo aos seus auxiliares que a alimentassem, saiu em busca da resposta para tal milagre. Que erva seria aquela? Quem seria aquele aldeão que a trouxera sem ao menos proferir uma única palavra? Vendo que a jovem já vinha sendo assistida, levantou-se para ir atrás do homem que lhe trouxe as ervas quando suas mãos delicadas o seguraram. Ao virar-se pode ver que sentia por ela algo como nunca sentira na vida, percebeu a importância de tê-la curado, não para a ciência, para a medicina, mas para si mesmo. Pela primeira vez em sua vida via-se extremamente egoísta e não se culpava por isso.
Tocou-lhe a face com o cuidado de quem toca um cristal e prometeu-lhe que voltaria.

Já na aldeia, buscava por pistas que o levassem ao homem que lhe trouxe as ervas quando uma mulher aproximou-se lhe tocando o braço. Era uma das anciãs que restou no local. Ela apontou-lhe um caminho e ao ver seu olhar, entendeu que ela sabia o que ele procurava. Sem titubear, avançou pelo atalho aberto à sua frente que o levaria para o interior da mata fechada que rodeava o local. Não pensava em mais nada, apenas queria encontrar o tal homem, quem sabe lhe daria respostas que até agora não havia ainda encontrado para combater a tal infecção?
E assim foi em sua jornada. As altas árvores escureciam o interior da mata e quanto mais andava, mais fechada à mata se tornava. Andou quase o dia todo sem parar, quando pensou já não mais agüentar, avistou ao longe uma clareira e no seu centro, o homem que o olhava como se o estivesse esperando. Parou ali mesmo sem saber se deveria ou não continuar. O homem pequeno o olhava fixamente e, lentamente virou-se, olhou-o novamente e seguiu por uma trilha. Ele pos então a segui-lo sabendo que o deveria faze-lo e em silencio colocou-se a caminhar. O ancião o levou a uma parte da mata onde parecia nunca haver sido pisada por branco algum. Tudo parecia ter sido jogado por Deus ali e ali ficado, intacto como o dia de sua criação. O ancião olhando-o, levantou o cajado, mostrou-lhe a erva e antes que ele lhe perguntasse tudo o que queria saber a respeito de quem seria, desapareceu como mágica. Ele, assustado, pegou as ervas e na aldeia iniciou suas pesquisas imediatamente. O ancião nunca mais lhe saíra da cabeça, não entendera ao certo o que aconteceu nem mesmo se de fato algo aconteceu. Sabe apenas que encontrou a erva e entendeu que algumas respostas, jamais teremos, não importa o caminho ou atalho que se pegue, importante é o fim do mesmo, o encontro, a cura que conseguira graças àquela erva que lhe mostrava o caminho do mais eficaz antibiótico natural.

Assim ele conseguiu a cura que procurava. Os aldeões foram todos curados. A aldeia voltava agora a sua vida normal, os médicos começaram a voltar aos seus lugares de origem. Teria apenas mais uma noite naquele lugar. Estava ali sentado, olhando o céu que lhe falava nas inúmeras estrelas que iluminavam a terra quando ela chegou e sentou-se ao seu lado. Nada foi dito, nada ouvido, apenas ficaram ali sentados, um ao lado do outro se permitindo sentir à alma um do outro. Ele sabia que tinha que voltar para dar continuidade ao trabalho ali iniciado, a deixaria ali. Ela o olhou, tocou-lhe a face e suavemente o beijou. Um beijo apenas e o amor aconteceu, personificou o sonho fazendo com que encontrasse a origem de si próprio.
Na mesma cama onde agonizou a jovem, médico e paciente se amaram na loucura dos que recebem por merecimento toda sabedoria universal. Muito mais que físico, cada orgasmo o remetia ao interior de um universo que até então não conhecia. Alfa e Omega encontrando-se num pólo único que alinhavam conhecimentos até então adormecidos pelas inúmeras matérias que pode então vestir. Aquela mulher lhe mostrou muito mais que um caminho, mostrou-lhe a própria salvação ao encontrar em seus olhos a alma um dia perdida nas dores e mortes que carregava em suas mãos.
Naquela noite ele sentiu-se remido e resgatado. Recebera de volta à própria vida e sabia que tudo seria diferente, novos caminhos, novos sonhos, novas auroras estavam por vir.

Olhou-a novamente entregue sobre a cama ainda carregando os sinais do amor que acabaram de fazer, pegou suas coisas e lentamente saiu levando consigo um amor que jamais ousou imaginar existir, um amor que duraria pra sempre pois era parte dele e, naquela noite ele havia descoberto que a eternidade existe e que ele, homem amor que se tornará, era tão eterno quanto a própria eternidade...
*Aisha*

Comércio - Aisha


quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Para você, um Feliz Natal!




Que as alegrias e bençãos do Natal
venham encher seu coração
e sua vida tornando essa data
ainda mais especial.
Para você e todos os seus,
um Feliz e Santo Natal!
*Aisha*







segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Transição - Aisha


Sentido ausente - Aisha

Pairava ali, o olhar distante do próprio corpo a fitar um horizonte que não podia alcançar. Em pé, entre a areia e o mar, mergulhava em secos sonhos a esperar pelo sol que se negava a chegar.

Ultima estrela no céu... Ultimo sonho na terra e mais um passo rumo ao destino não tão certo, mas já existente numa consciência agora liberta de toda tormenta.E a paz, apenas a paz, dada somente aos que conhecem a verdade do que são.
Os pés descalços sentem a primeira onda, água fria abraçando uma vida até então também fria de toda e qualquer emoção.

Os olhos ainda pairam ao longe do corpo que parece não mais existir.
Acorda o espírito ao toque frio das mãos do inverno que as águas abraçaram, uma gota do mesmo mar escorre-lhe pela face que tantos sonhos guardou em si.
Sente o gosto do sal e percebe-se como parte do imenso universo estendido à sua frente, líquido, o mesmo frio que tem nas emoções guardadas em si.

Tudo passa a ser uma continuação da vida que mal pode conhecer, ou viver...
Os olhos buscando ao longe um ponto sequer que lhe mostre um som, um tom ou mesmo a melodia que nunca conseguiu ouvir, param sua busca, entregam-se e derramam-se ao mar que os recebe com o acalanto sonhado em terras secas.
A pele, cada poro, sente apenas o abraço das ondas que lhe recebe plena e harmoniosamente.

E o silêncio...
Nada se ouve, nada mais é sentido. Pára a vida na melodia silenciosa que o pranto ecoou nas brumas formadas entre um corpo e a dor.
O universo líquido aquece o espírito, abatido, curando-lhe as feridas que na vida alcançou. Tudo passa a ser o nada nunca antes pensado ou almejado.

E mais uma vez, o silêncio, apenas o silêncio e o azul que começa a perder a cor...
E assim fecham-se os olhos, já sem cor, que tanto esperou poder encontrar a razão de sua busca... Fecham-se os olhos e fecham-se também os sonhos calando o canto que o mundo nunca pode ouvir...
Fecha-se o mundo na entrelinha da vida que nem ao menos conheceu a poesia do que é ser feliz.

E voa o corpo nas ondas firmes de um mar perdido entre o sonho e a razão, sente ainda o toque das asas que o recolhem na suavidade que nunca conheceu.
Vê-se então como parte de um todo, uma obra, seu apogeu.
Às águas salgadas do mar, derrama seu pranto no silêncio que sempre foi, misturando-se a mansidão que sempre buscou, sente-se agora na plenitude de uma vida que nunca conheceu.

E assim, fecham-se as cortinas no ato derradeiro que delimita o fim.
No último adeus, um som invadindo o silêncio que já se fazia existir na própria voz que agora, num último som, brada por perdão.
*Aisha*

Relicário - Aisha


quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A casa - Aisha


Abrigo de paz com cheiro de infância,
nela as lembranças caminham
pelos retratos envelhecidos
que espalhados, contam as histórias
das vidas que a minha construíram.

Nela, os momentos ficaram gravados,
e cada tijolo carrega em si
os ecos das tantas risadas
e os muitos choros abafados
pelo barulho da chuva no telhado.

Nela, vi a vida acontecer
ao adormecer criança e despertar mulher,
ao descobrir o gosto do primeiro beijo
roubado numa tarde quente de verão,
e ao sentir o sabor da primeira paixão.

Nela conheci o fim, a despedida, o adeus,
chorei minha saudade, minha dor e parti,
hoje ela é a casa da minha infância
onde guardo as lembranças
dos melhores momentos que vivi.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Instinto - Aisha

Por que duvidar
se até mesmo na dúvida
há certezas?

E por que não se arriscar
se de riscos é feita a vida
e se diante do abismo,
sabe-se que o sentido de tudo
é o recomeçar...

E voa o pássaro, mesmo ferido,
lança-se em seu primeiro voo
ganhando o céu azul,
desenha o horizonte perdido
e com as linhas de seu sonho
toca o sol que se põe em acorde maior
nas areias quentes dos mares do sul .

...não há dúvidas
nas certezas feridas do pássaro
que segue seus instintos
e se arrisca no surpreendente voo da vida...
*Aisha*

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Verdade - Aisha


Sobre o amor e a vida - Aisha

É mesmo impossível definir, justificar, medir o amor. Até onde ou que ponto amamos ou somos carentes?
Até que ponto poderá chegar e o que podemos ou chegamos a fazer em nome desse amor, que na verdade nem sabemos ao certo se é amor mesmo ou não.
O ser humano é complexo demais e em matéria de sentimentos, um tanto complicado, ou melhor, acho que o homem perdeu um pouco da essência da criança, tornou-se "grande" e começou a querer justificar o que sente, dar nomes, criar imagens para os sentimentos, enfim, começou a tratar esses sentimentos como algo que pudesse ser organizado, entendido, justificado ou mesmo explicado.
E nós sabemos que os sentimentos não se explicam, o amor não pode ser medido, justificado ou explicado, ele deve ser sentido e vivenciado.
E como é bom viver o amor, e já nem digo entre homem e mulher, mas o amor incondicional... Sim, muito difícil, raro se conseguir, mas acho que todos já tivemos o nosso segundo de frente com esse tipo de amor...
E como é bom sentir a essência pura e plena com a qual fomos criados...
Eu criei uma imagem da forma como Deus criou o homem e é assim: Ele deve ter criado primeiro uma grande caneta tinteiro onde a tinta tinha em sua composição esse amor incondicional e assim começou sua mais linda arte: O homem!
Pegou o livro da vida e em suas páginas, em cada uma delas, começou seu desenho. Para cada página, um homem, assim cada homem que Deus cria ganha sua página onde deve escrever sua pequena história... Infantil, eu sei... Acho que a criança em mim ainda não deu lugar a "mulher grande", adulta.

"Que viva sempre a criança, amando sem tempo nem medida no espaço de mim que chamo de vida...”
*Aisha*

Paz - Aisha


quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Meu amigo - Aisha

Meu amigo não para no virtual, segue pelas trilhas da vida derrubando obstáculos. Nada o detém, luta suas batalhas e levanta a bandeira da amizade real.
Meu amigo é forte, mesmo quando sofre suas dores, quando desacredita da vida, quando vê o mundo sem esperanças e sem cores.
Meu amigo não desiste e veste-se de luz mesmo quando as trevas o invadem. Acredita e é fiel, não trai, não derruba, ao contrário, levanta a bandeira dos que consigo caminham.
Meu amigo sente minhas dores, sofre e chora minhas lágrimas. Não é bajulador, mas me mostra em seus atos de amor que o caminho não se faz sozinho. Está sempre ao meu lado mesmo quando a distância teima em nos separar. Nada o impede! É amigo! Segue comigo, lado a lado apontando as pedras que no caminho muitas vezes querem atrapalhar.
Meu amigo também chora. É humano! Não é forte a toda hora... Mas chora aqui comigo, aceitando o ombro e o carinho que eu tenho, posso e também quero lhe dar. Trocamos emoções enxergando sempre as qualidades que chegam antes dos defeitos e decepções.
Meu amigo é real e dentro dessa realidade, não é perfeito, ele erra, engana-se, confunde-se... Mora na verdade do que é, mas nunca se afasta, pois o nosso caminho é de fé. Acreditamos na força da amizade, sabemos que nos apoiamos e nos ajudamos para nos mantermos em pé.
Meu amigo se decepciona sim, mas nunca me decepciona. Ele conhece minha alma como eu a dele. Jamais nos machucamos. Brigamos, discutimos muito, pois embora caminhamos juntos, somos seres únicos, e respeitamos essa nossa individualidade. Respeitamos nossas diferenças acreditando estar aí o crescimento do que somos dentro dessa nossa amizade.
Sim, meu amigo respeita, não só a mim, como também a vida e a amizade que chegou e tão bem a alimentamos...
Meu amigo entende sempre que me decido e escolho pelo “errado”. Meus erros? Nunca o afastam, ao contrário, o coloca ainda mais perto de mim, afinal, quer estar sempre junto para quando eu perceber e resolver voltar atrás.
Nosso caminho tinha o sabor da aventura, da graça. Nada custava, não nos cansávamos de caminhar. Rimos muito e choramos também. Nos revoltávamos a cada traição que víamos no mundo e nos dizíamos que os homens deveriam se amar mais...
Sim meu amigo, talvez os homens ainda não tenham descoberto o valor da amizade real...
*Aisha*

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Mistérios entre o céu e o amor - Aisha

“Há mais mistérios: ... entre o céu e a terra, do que pode imaginar a nossa vã filosofia!”
Shakeaspeare


Mistérios entre o céu e o amor
Aisha

E saiu a caminhar, louca pelas ruas tinha sua visão muito longe dali. As pessoas passavam e a olhavam, mas nada mais importava. Queria mesmo era seguir, chegar em qualquer lugar onde pudesse reencontrar aquilo que durante toda sua vida procurou.
Dessa vez foram longe demais, a vida fora longe demais... Nos últimos dias perdera tudo que tanto lutou para conquistar, seus objetivos, sonhos, tudo havia se perdido...
Não se conformando com o próprio destino, saiu em busca de si própria Em algum lugar haveria de se achar, mas onde encontraria os porquês de tudo isso? Como encontrar algo que jamais conheceu? Assim sentia-se naquela manhã. Onde poderia achar a alegria de viver que nunca foi sua? Apenas fora-lhe emprestada para que conhecesse e a vivesse por algumas horas.
Nem mesmo o controle de si mesma lhe restou. Saíra tão desesperada que nem se deu conta que estava completamente nua. Fato esse só percebido quando dois policiais lhe abordaram envolvendo seu corpo com um velho cobertor. Assustada, olha os dois homens parados à sua frente e essa é a última imagem que vê antes de acordar no quarto da Santa Casa para onde foi levada desacordada. Ainda com grande sonolência devido aos calmantes que lhe deram, vê que há mais alguém junto de si. Ao seu lado direito, ele, elegantemente vestido lhe sorri com semblante de paz. Ao vê-lo novamente ali ao seu lado, fecha os olhos enquanto uma lágrima lhe escorre pela face. Na verdade não queria fechar os olhos, queria vê-lo melhor, talvez decorar seus traços para não esquecer nenhum detalhe das linhas que desenhavam seu rosto.
Cansada, totalmente exausta devido às últimas horas, entregou-se ao sono que os fortes medicamentos lhe trouxeram. Lá, bem dentro de si mesma, sabia que ele ficaria ali ao seu lado e que ao acordar seria dele o primeiro rosto que veria novamente. E assim, entregou-se desarmada ao sono. Como criança no colo da mãe, aproveitou daquele momento e dormiu...

***

Seus olhos abriram-se tocados pelo sol da manhã que invadia o quarto. Tinha o melhor quarto da casa que recebia logo cedo a luz que lhe mantinha arejado e iluminado. Mas naquela manhã, o sol estava sendo cruel com ela. Queria continuar dormindo um pouco mais. Ainda com dificuldade, abriu os olhos lentamente e foi vendo perplexa a imagem que se formava a sua frente. Fechou e abriu seus olhos várias vezes até que conseguiu levantar-se da grande cama onde dormira. Caminhou pelo quarto observando todos os objetos que estavam ali. Tudo muito antigo... No centro a enorme cama de casal de onde levantara, à esquerda, no canto, uma cadeira combinando a decoração do quarto que era em tons marrom. Nas paredes havia quadros e fotos de pessoas que ela desconhecia completamente. "Quem seriam? Onde estaria?" Perguntava-se a si mesma conforme descobria os detalhes depositados naquele quarto onde não sabia como ali fora parar.
Encaminhou-se para a grande janela à sua esquerda. O dia estava lindo àquela manhã. Abaixo do céu azul, uma grande árvore levantava-se alcançando sua janela onde vários pássaros cantavam anunciando o início de mais um dia.
Quase em êxtase com tão bela visão, foi despertada pelas palavras daquele homem que estava bem ali, embaixo da janela chamando-a para o café.
Voltou atônita para o quarto sem saber quem era ele ou o que significava aquilo tudo. Não se lembrava daquele lugar ou daquelas pessoas que vira nas fotos do quarto, até mesmo o quarto onde acordara lhe era totalmente estranho.
Conforme descia as enormes escadas que separavam um andar do outro, olhava tudo tentando restabelecer algum laço de memória, mas tudo em vão, pois não se recordava de nada.
O homem lhe esperava na soleira da escada, em pé, com seu terno de linho claro, mais que observar, ele a admirava. Tomou-a pelas mãos levando-a para a sala onde eram servidas as refeições.
Enquanto tentava entender tudo aquilo, seu olhar encontrou com o dele que nesse momento a olhava num misto de carinho, amor e preocupação. Aproximando-se dela, indagou o que estava sentindo. Refletindo, puxou suas mãos das dele perguntando o que estava acontecendo, quem era ele e onde estava.
O homem a sua frente pareceu perder a cor. Seus olhos agora repletos de preocupação a olhavam enternecidos.
- Então é isso, você não se lembra novamente, outro lapso de memória...
Assim ele lhe explicara que havia algum tempo, ela fora encontrada nas redondezas de onde estavam sem saber quem era ou de onde viera, assim se conheceram, se apaixonaram e, certos de se amarem, casaram-se, mas esses lapsos voltaram causando-lhe essas amnésias. Pedia-lhe para manter-se calma que tudo se resolveria.
Então, era casada, tinha uma família... Teria filhos também? Essa pergunta lhe perturbou mais ainda, pois que tipo de mãe esqueceria os próprios filhos?
Não se reconhecia naquelas roupas, naquela casa, com aquele marido ou casada e talvez mãe. Nem mesmo o tempo parecia o seu, visto ali ser tudo antigo demais, lembrando algum dos séculos que já ficaram para trás. Não se lembrava de nada, mas sabia que jamais usara aquele tipo de roupa que até lhe podara os movimentos.
Envolvida em seus pensamentos e indagações, viu-se novamente com seu suposto marido a sua frente dizendo-lhe que seu médico já fora chamado e que seria melhor deitar-se. Voltando para o quarto onde acordara sentou-se na cama enquanto o homem lhe segurava as mãos. Não sabia explicar o porque, mas sentia-se segura ao seu lado. Via em seus olhos um brilho que lhe era familiar, seria mesmo aquele homem seu marido? Atormentada com tantas perguntas que sua mente formulava, foi interrompida com a chegada do médico. Um senhor baixinho, calvo, óculos na ponta do nariz como se estivesse para perdê-lo a qualquer instante. Esse lhe abriu um lindo e caloroso sorriso passando-lhe as mãos pela cabeça num gesto de carinho. De repente sentia que a solução para seus problemas estava bem ali, em pé diante dela.
Após examinar-lhe, o médico lhe prescreveu descanso e muita paciência. Tranqüilizou-a e saiu acompanhado pelo marido. Ela permaneceu ali, deitada olhando para a grande árvore emoldurada pela janela de seu quarto. O que fazer?... Ele voltou e, na segurança que seu abraço lhe trouxe, ela adormeceu.

***

Os elevadores da Santa Casa anunciavam sua chegada aos andares com enorme estrondo. Assim ela acordou, assustada com tal estardalhaço, pois ainda não ficara tempo suficiente acordada para habituar-se ao imenso barulho dos mesmos.
Ele já não estava mais ao seu lado e também não tinha mais o abraço no qual adormecera. No seu lugar, alguns homens de branco a examinavam e conversavam entre si na linguagem médica que só mesmo os médicos entendem.
Fazia sol naquela manhã. As folhas já em tons envelhecidos anunciavam o outono que chegara. A paisagem do belo jardim encheu seu coração de um sentimento que já não se lembrava mais. Fechou os olhos sob o azul do céu com intenção de manter o mais possível àquela sensação quando um homem apareceu a sua frente perguntando como se sentia. Imediatamente abriu seus olhos tentando enxergar a figura do homem que se dizia seu marido e surpreendeu-se ao ver-se decepcionada por não encontrá-lo. No seu lugar, apareceu-lhe um homem, muito simpático, usando jeans e o azul de seus olhos quase se confundiam com o azul do céu, fato esse que lhe chamou a atenção.
Sem saber ainda de quem se tratava, respondeu-lhe afirmativamente, pois naquela manhã em especial sentia-se mesmo muito bem, bem como há muito tempo não se sentia, apenas aquela sensação de que algo estava lhe faltando ainda persistia dentro de si, sensação essa que ela não conseguia explicar nem para si mesma.
Ele a conduziu em sua cadeira de rodas até um banco próximo e sentou-se. Ai então se apresentou dizendo-se médico psiquiatra e que seria então o seu médico.
A Casa de Saúde Divina Misericórdia era um centro médico para doentes mentais, um sanatório e seus internos logo começaram a chamar sua atenção. Enquanto o médico tentava lhe explicar sua estadia ali, ela olhava ao redor observando o comportamento de um dos internos que, sentado, permanecia imóvel como que olhando o nada. Assustada, olhou para o homem despojado a sua frente, vestido de jeans e um tênis e que se dizia seu médico. Como que adivinhando seus pensamentos, o médico tratou logo de explicar-lhe, dizendo que tinha chegado há pouco tempo para desenvolver seu trabalho na Casa de Saúde e tinha sua forma própria de trabalho e uma delas era abolir o uniforme branco, preferia assim, ficar o menos formal possível. E assim, o médico lhe relatou tudo o que aconteceu, desde sua chegada na clínica onde estava.
Enquanto o ouvia, recordava a sensação que lhe levou até aquele momento. O tamanho da dor que sentia, uma dor que não mostrava ferimentos, mas que lhe sangrava a alma. Essa recordação ficou refletida em seu rosto, em seu olhar e o médico percebendo, pediu-lhe para que falasse a respeito. E ela o fez. Falou da dor que sentira, causa que lhe levou a sair pelas ruas buscando talvez um conforto para aquilo que se instalara em sua alma. Passaram assim toda a manhã conversando no jardim, médico e paciente. Ao término da conversa, já estavam se entendendo até que bem para um primeiro encontro, uma primeira terapia. Já de volta ao seu quarto, perdeu-se pensando no homem que se dizia seu marido. Quem seria ele? O que teria acontecido? Teria sido simplesmente um sonho ou estaria mesmo ficando louca? Tais pensamentos lhe angustiaram e assim pensando, sob efeito dos medicamentos que tomara, novamente adormeceu.

***

Como é bom sentir-se amada... A sensação de tê-lo dormindo ao seu lado, ter seu corpo abraçado pelo dele era tão boa que não ousava abrir os olhos. Se fosse um sonho, não queria acordar e assim, sentiu um beijo, quente e suave, um beijo que lhe falava nas mudas palavras sobre o verdadeiro sentido do amor, um beijo calmo, tranqüilo, mas ao mesmo tempo, forte e repleto de desejo. Foi assim que lentamente abriu os olhos e ao ver-se refletida no brilho dos seus olhos, não teve dúvidas. Ela o amava e sabia ser ele a causa daquela sensação que novamente lhe trazia luz à alma.
Seguindo o que sua alma e seu corpo lhe pediam, entregou-se inteira naquele momento ao ato sublime do amor que só aos amantes de alma é permitido conhecer. Sentiu a vida renascendo em si, sentiu-se completa como se naquele momento tivesse encontrado todas as respostas de que precisava e as quais sempre buscara. Ele era seu marido e ela, sua mulher. Naquele instante onde só o amor ditava as regras, isso parecia bastar-lhe, pois com ele sentia-se novamente em casa e em paz.
Aquela foi uma linda manhã. O sol lhe presenteava com seus raios, enchendo de vida o grande jardim da casa onde tomavam o café da manhã. E foi então que ela resolveu falar sobre o que estava acontecendo e sobre a necessidade que sentia de descobrir quem era e como havia chegado ali. Conversaram muito naquela manhã de outono e ele lhe contou novamente sobre a primeira vez que lhe viu desmaiada debaixo de uma árvore nas proximidades da grande casa. Naquele exato momento, apaixonou-se por ela e sentiu que ali estava a mulher que queria para sua vida. A tomou em seus braços levando-a para casa onde recebeu os cuidados médicos necessários. Ela recuperou-se logo e dali a casarem-se, foi só o tempo necessário para correrem os papéis, pois tanto um quanto outro estavam certos do amor que sentiam e do que queriam para si. E tudo ia bem até o dia anterior quando ela acordou novamente desmemoriada. Ela o ouvia atentamente e sentia que nele havia esperança e fé, algo que ela já não se lembrava mais que pudesse ainda existir. Estavam casados há três anos e ela não se lembrava de nada. Ali só tinha a certeza de que amava aquele homem e que ele era tudo o que ela precisava para ser feliz e ter a paz que tanto buscou.
Os dias que se seguiram foram feitos de sonhos. Tudo estava perfeito. O amor entre os dois aumentava cada vez mais e, enquanto o tempo passava ela ia lentamente se familiarizando com tudo e todos que por ali viviam.
Numa certa manhã ao acordá-la com o beijo habitual, ele notou que ela não estava bem. Ele a chamou, ela apenas conseguiu pedir-lhe que a ajudasse. Sua cabeça doía demais, não conseguia abrir os olhos e os sentidos sumiam. Ele pôs-se em pé rapidamente saindo para chamar o médico. Nesse momento a dor de cabeça aumentou tanto que a fez perder os sentidos. Ao voltar para o quarto e encontrá-la desacordada sentiu-se desesperado. Sua alma parecia partida em duas, sentia que sangrava por dentro, tamanha a dor e o medo de perdê-la e como que querendo segurá-la ali consigo, abraçou-lhe fortemente junto ao peito.

***

Quais sensações ou lembranças traz o coma... O que acontece, quais danos pode provocar?
O sorriso e o alívio, a alegria estava no rosto do médico ao vê-la acordar. Ela quis falar, mas ele não deixou, pois ela estava muito fraca. Disse-lhe para ficar em silencio e calma que tudo iria se resolver, tudo estava bem agora.
O médico não era o tipo de profissional que se conformava em perder um paciente. Não! Ele queria salvar, curar e não aceitava quando perdia para morte. Era teimoso e persistente e acreditava tanto na cura que foram poucos os pacientes que não conseguiu salvar. E esses já lhe pesavam muito na consciência, não poderia perdê-la, não ela. Aquela mulher havia se tornado uma paciente especial aos seus olhos, pois, depois daquele dia onde passaram toda a manhã conversando, ela não saíra mais de seus pensamentos. Algo dentro dele havia mudado. Quando foi notificado de que ela havia entrado em coma naquela tarde, um grande desespero o tomou. Sabia que deveria trazê-la de volta, não sabia como, mas a traria, como a trouxe e isso lhe deixou imensamente feliz e com uma deliciosa sensação de vitória.
Olhou mais uma vez para ela ali a sua frente, pálida naquela cama e pediu-lhe que descansasse e que depois quando estivesse melhor conversariam. Afastou-se, mas seus pensamentos continuaram com ela. Ele não sabia ao certo o que estava acontecendo consigo mesmo, mas sabia que era algo muito grande e que tinha tudo a ver com aquela mulher que parecia ter-lhe tomado a alma.
Acordou e já era noite. O médico ao seu lado lhe sorriu. Terminado seu turno, decidira por ficar ali com ela até que acordasse, pois ele queria ter a certeza de que realmente estava bem, mesmo com todos os exames apontando para isso, queria ver com seus próprios olhos.
Ela não acreditava que estava naquele lugar outra vez. Tão grande a tristeza por qual foi tomada que começou a chorar. Ele então, segurando sua mão pediu que se acalmasse e assim ficaram até que ela melhorou e começou a contar-lhe tudo o que estava acontecendo. Sem saber explicar o porque, ele simplesmente acreditou nela. Acreditou que de certa forma ela estava mesmo vivendo aquilo que lhe contava, mesmo que fosse uma realidade alternativa, por acreditar como acreditava, ela realmente a vivia. Ao falar-lhe isso, ela percebeu que ele não acreditava como ela acreditava, pois dentro de si, tinha certeza de que tudo aquilo que viveu foi real e que seu marido lhe esperava e algum lugar que ainda não sabia onde. No desespero de voltar, pediu ao médico que lhe ajudasse e ele concordou dizendo-lhe para fazer o tratamento conforme ele o prescrevesse. E assim fizeram. Embora não gostasse de receitar remédios para seus pacientes, cedeu à sua própria vontade nesse caso, pois o medo de perdê-la era muito e não se arriscaria a isso. Apelou assim aos fortes medicamentos. Ela, confiando que ele a ajudaria a voltar para sua vida ao lado do homem que amava, cegamente entregou-se aos seus cuidados.
Nos primeiros dias deixou-se dopar pelos fortes medicamentos, mas, logo depois, começou a não os tomar mais. Enganava os enfermeiros, fazia que dormia e, no entanto, só pensava numa forma de sair daquele lugar. Numa de suas conversas com o médico, chegou a pedir-lhe que lhe desse alta, que a mandasse de volta para casa, pois já se sentia melhor. Mas o médico, não se arriscaria a perder-la. Sabia que o que sentia por ele era apenas amizade e gratidão, sentimento esse que não queria. Ele a queria sim, mas como mulher e queria também que sentisse o mesmo por ele. Sabendo que isso estava longe de acontecer, preferia deixá-la ali, sob seus cuidados, mesmo que fosse a base de medicamentos. Seria essa sua forma de tê-la para si.
O tempo foi passando e ela percebendo o que de fato estava acontecendo. Tentou a fuga por várias vezes, mas de nada adiantou, pois havia sido colocada na ala de segurança, tendo assim enfermeiros dia e noite vigiando todo o andar. Cada vez que tentava fugir e era pega, recebia doses altas de calmantes que lhe deixavam dopada por dias.
Foi assim, numa dessas tentativas de fuga, que numa manhã ela aproveitou-se de uma pequena distração por parte dos enfermeiros, pois um dos pacientes havia se cortado todo numa crise que tivera. Todos o estavam socorrendo e ela viu que seria esse o melhor momento. Ainda estava um pouco fora de si. Atordoada, sem reflexos, devido ao excesso de calmantes que recebera, mesmo assim, não pensou duas vezes e seguiu pela única chance que teria, ela sabia disso, seria agora ou nunca mais. E assim, saiu como estava. A roupa que os internos da ala de segurança usavam era apenas uma camisola com abertura atrás e, ela, ao desviar-se dos funcionários, acabou por despir-se, mas tamanho era seu desespero em sair daquele lugar que nem se deu conta que estava nua e assim, ganhou a rua e seguiu.
Mal governava suas pernas e não sabia para onde ir, só sabia que tinha que correr para longe daquele lugar e saiu a caminhar, louca pelas ruas tinha sua visão muito longe dali. As pessoas passavam e a olhavam, mas nada mais importava. Queria mesmo era seguir, chegar em qualquer lugar onde pudesse reencontrar aquilo que durante toda sua vida procurou.
Dessa vez foram longe demais, a vida foi longe demais... Nos últimos dias perdera tudo que tanto lutou para conquistar, seus objetivos, sonhos, tudo havia se perdido... De repente, sente seu corpo envolvido por um velho cobertor. Assustada, olha os dois homens parados à sua frente e essa é a última imagem que vê antes de acordar...

*Aisha*

Anjo da noite - * Poesia em imagem *


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Noite em fúria - Aisha

A noite já era alta. Tudo parecia dormir na grande casa. O escuro do quarto foi interrompido pelos fortes relâmpagos que se mostravam enfurecidos na grande vidraça onde a chuva forte estourava, como que quisesse invadir o velho quarto apossando-se de Ana.
Sozinha em casa, deitada em sua cama com as cobertas tapando-lhe meio rosto, ela rezava para que a tempestade se acalmasse, tamanho o pavor que sentia. Aliás, medo esse que a acompanhava desde criança pois lembrava perfeitamente das noites de tempestades quando dormia com a mãe na grande cama de casal que seu pai ocupara enquanto vivo.
Hoje sua mãe já não estava mais na grande casa. Estava ali, ela e seus “fantasmas”, sozinha. Medos e pensamentos misturavam-se em sua mente, quando foi desperta pelo barulho de passos vindos da escada velha de madeira. Num sobressalto, viu-se em pé ao lado de sua cama. Olhou fixo na porta esperando que ela se abrisse.
Mãos frias e úmidas, coração saltando forte no peito, viu a grande maçaneta da porta girar lentamente. O tempo parecia parar e o chão de madeira sumia aos seus pés. Aflita, já não respirava mais.
Em passos lentos, aproximou-se da porta. Com mãos trêmulas, segurou a velha maçaneta que parara de girar. Tirou forças não se sabe de onde, e abriu a a porta .. Deparou-se com um grande vazio. Tudo escuro no largo corredor que mais parecia fazer parte de um museu. Seguindo seus instintos, buscou explicações para o barulho que ouvira, e foi até o corredor chegando à velha escada. Nada encontrou, somente o grande vazio que se perdia na escuridão da noite.
A tempestade continuava forte. De volta ao seu quarto, agora totalmente desperta, sentou-se na velha escrivaninha e começou a escrever sem saber ao certo o que ou para quem. Percebeu então que iniciara uma carta de despedida. Nela explicava o motivo de sua morte. Num salto, largou a caneta afastando-se da escrivaninha. O barulho da cadeira caindo no velho assoalho de madeira ecoava pela casa. Não! Decididamente não podia mais continuar ali! Aquela casa mexia com seus sentidos, tirava-lhe o equilíbrio que lutara tanto por manter.
Em meio ao desespero, fez as malas. Algumas poucas trocas de roupas mal colocadas numa bolsa de viagem e pronto. Estava pronta para partir! Desceu rapidamente pelas escadas abrindo a porta da frente que dava para a varanda quando se deparou com um homem alto, traços rústicos que lhe lançava um olhar distante. Instintivamente Ana fechou-lhe a porta e voltou correndo para seu quarto. Trancou a porta escorando com a pesada cadeira que derrubara momentos antes. Foi até janela, e viu que a distância do telhado até a árvore a sua frente não era grande e resolveu sair por ali mesmo.
A chuva fria tocava-lhe o corpo como lâminas afiadas. Ana saltou para o telhado e seguiu rumo à grande e frondosa árvore à sua frente. Num salto, agarrou-se a um galho e por ele chegou ao tronco. Ficou ali escondida, onde podia ver o homem que arrombara a porta de seu quarto e entrara com passos largos.
Sabendo que não poderia ficar naquela árvore a vida toda, decidiu descer enquanto o homem ainda estava na casa, assim ganharia tempo na fuga. Desceu apressada, sem olhar para trás e seguiu correndo em meio à estrada de terra que com a forte chuva, virara lama. Ana escorregou várias vezes, tamanha a dificuldade de se manter em pé. O desespero tomara conta de todos os seus sentidos. O frio, a chuva, a lama, a escuridão... O mundo parecia querer tirar-lhe a vida. Ana correu sem saber para onde; sem parar! Precisava salvar-se! Precisava livrar-se daquele homem. Onde estaria o tal homem? Era um assassino, um assaltante?
Sua casa era afastada da cidade. Não existia nenhuma outra casa por perto. Desesperada e só, Ana correu em meio à escuridão e à chuva que fazia a lama crescer ainda mais sob seus pés...
Naquele momento Ana pensou que não suportaria mais tanto pavor . Estava quase desistindo, quando num só estrondo as luzes à sua frente se acenderam transformando a noite em quase dia, tamanha era a potência, e num grito forte ao longe se ouviu: “Corta! Perfeito!! Por hoje é só pessoal. Todos estão dispensados! Amanhã continuaremos a filmagem"
E Ana finalmente dormiu.

*Aisha*

Peitos novos - Aisha

Sabe quanto custa um par de peitos novos? Pois é, o espelho acusava que os dela já tinham ido. Olhavam descorçoados para o chão o tempo todo e com isso não se conformava. Informou-se, procurou o SUS, convênios médicos, mas nada, seu caso não era de risco, portanto, convênio não cobria a cirurgia plástica e o SUS então, nem se fale... Bem, não era de risco porque não eram eles que todo dia tinham que olhar para aquilo ali, daquele jeito. Altamente depressiva a cena. Não suportava mais, tinha que dar um jeito. Levantou a cabeça e foi à luta. Comprou seu mais novo cofrinho e jurou que dali tiraria seus novos peitos.

Era secretária em um escritório de contabilidade. Além do seu trabalho resolveu que faria uns "bicos" para ajudar na mais nova aquisição. Pronto, lá foi ela! Meteu-se em artesanato. Mal chegava em casa e já ia pegando suas peças de gesso. Pintava anjos, santos, imagens no geral, fazia sabonetes, velas, costurava mantas e coisas do tipo. Finais de semana, faxina. Não em casa, mas nas casas que lhe pagavam pelo serviço, além de se colocar eventualmente como babá.

Tanto fez que um dia o cofrinho encheu e lá foi a moça atrás do médico, aquele que todo mundo falava que sabia fazer peitos como ninguém. Marcou uma consulta, pagou toda dona de si e foi para decidir o que seria sua felicidade. Tudo acertado e sentiu-se a mais feliz das mulheres. Nem mesmo a volta da cirurgia, sabe aquele momento quando o efeito da anestesia vai passando e a dor aumentando, o estomago enjoando, nem mesmo esse momento foi suficiente pra lhe tirar a alegria. Havia conseguido realizar seu sonho e, mal conseguindo se ajeitar em pé, foi assim toda meio dura apoiando-se pelas grades da cama - pois se mexer ali no caso era quase impossível - procurar um espelho, pois precisava ver a grande obra, seus novos peitos. Não foi naquele momento o encontro dela com a imagem tão esperada, precisou ser adiada por alguns dias. Assim que pode ver, deparou-se com o que lhe cairia como a imagem mais linda que seus olhos já viram. Embora toda roxa e cheia de hematomas, o importante é que estavam ali, prontinhos e olhando pro céu.

Feliz, volta ao trabalho. Vestiu-se de forma sensual, saia justa, salto alto e uma blusa que... E agora? Parou e pensou no quanto havia investido nos novos peitos. Quem os veriam? Ela já não bastava, precisava mostrá-los a todos, afinal, lhe custou muito caro e quanto não trabalhou para aquela nova aquisição. Sapatos, roupas, jóias, casas, carros, tudo o que se compra tem como ser mostrado, aliás, as pessoas adoram mostrar tudo o que compram, ela também tinha que dar um jeito de mostrar a todo mundo os peitos novos que comprou com tanto sacrifício...
Tentou várias blusas. Blusas coladas, decotadas, transparentes, mas não, nenhuma iria mostrar o tanto que queria os peitos que estavam tão lindos e tão novos. Investiu em uma blusa decotada e um pouco transparente. Caprichou na lingerie e foi esperando pela recompensa dos comentários. Chegou no escritório na maior expectativa da sua vida. Esperou o dia todo e nada, nenhum comentariozinho sequer.
O ser humano é muito cruel. As mulheres não comentaram porque eram invejosas e não queriam dar o braço à torcer diante dos peitos perfeitos de outra mulher. Os homens olhavam discretamente, assim de rabo de olho, escondidinho sabe, porque achavam que deveriam manter o respeito. Quase o horário de sair, terminando expediente e nada... Voltou pra casa, olhou-se no espelho como sempre fazia e ficou feliz com o que viu e percebeu que o que importava de fato era sua própria realização. Naquele momento não importava mais os comentários que lhe negaram, mas sim a felicidade que sentia. Conseguiu o que parecia impossível no início e isso já lhe bastava.

Oito horas da noite, toca o telefone, um convite pra jantar. Seriam os novos peitos? Aceita. Do encontro o namoro, noivado, casamento. Ainda hoje pensa se tudo aconteceu pelos peitos que conseguiu ou porque tinha mesmo que acontecer. Primeiro, segundo, quarto filho e chega, já não quer mais. A família cresceu, o corpo manteve, mas os peitos, antes tão novos não agüentaram tanta gravidez. Olha os filhos, vê os peitos, olha o marido que lhe olha amando como no início e percebe que os peitos já não têm mais tanta importância pois percebe o próprio olhar admirando o amor que lhe vê através dos olhos do próprio marido.

O amor é lindo e ajuda fazer uma enorme economia...

*Aisha*

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Um conto de amor - Aisha

Bem, vou tentar contar um conto. É a história que conta o amor entre um casal de poetas, acho que você vai gostar. E começa assim, com diálogo, mesmo porque esse casal de amantes poetas adorava conversar. Conversavam – e conversam ainda – muito e sobre todos os assuntos, e como conversam demais, nada mais justo que comece contando meu conto por um dos muitos diálogos que travam sempre.

(O diálogo)

- Oi,tudo bem contigo? Como foi seu dia hoje?
- Poetizei, poetizei muito... E poetizei você... Andei nossos caminhos e te sonhei em todos eles... Saudades, você nem imagina...
- Ah, para! Você está querendo poetizar comigo... Quero o homem agora, aquele que me ama e não ser a musa do poeta, não agora, que tal sermos um ‘tiquinho’ só normais??
- (o poeta ri gostosamente) E pra que você quer tentar o impossível??? Então se quer grandes tentativas, tenta me amar mais, muito mais, lá no infinito... Tenta fazer esse amor maior e me ame na loucura do que somos.
- De novo poetizando, você não tem jeito... E é por isso que te amo tanto... Vem, olha, fica aqui, deita no meu colo que hoje sou eu que vou te contar uma historinha.
- Oba! Já não era sem tempo! Sou sempre eu que te carrego e conto histórias, hora de ser eu a criança e você a louca, ou melhor, a adulta... (ri de novo o poeta)
- Adulta eu não garanto, mas que estou louquinha pra te fazer um cafuné e contar a história, sabe, aquela história...
- Não, não sei não. Qual é?
- Então está bem. Deita aqui que vou contar. Era uma vez um casal. Amavam-se demais e não conseguiam ficar perto um do outro sem se tocar, se beijar...

(História interrompida)


E o poeta beija a louca no grito do seu amor,
voa com ela até onde inicia o céu, virando paixão.
Grita a voz do tempo em frêmito rumor
e tudo ganha cor, nos versos do poeta,a louca perde a razão.

Cessa-se a conversa da louca com o poeta,
o silencio impera dando lugar apenas aos gemidos de prazer.
Poeta e louca pintando a vida na cor que é a mais bela:
A cor do amor que só poetas e loucas sabem fazer...

E a história segue o seu curso,
poeta e louca seguem rimando, remando em rios de sonhos,
lançam-se em único vôo, desbravando horizontes confusos,
e nada querem, nada esperam, apenas se amam em “hojes” risonhos.



Bem, termino aqui meu conto, mesmo porque esse conto não tem fim. E além do mais, o diálogo entre o poeta e a louca sempre começa mas nunca termina. Estão sempre dialogando, novas conversas, novos risos, novos sonhos, novos vôos, novos olhares, novos toques, mas tudo isso dentro do mesmo amor, que dia-a-dia, renova-se em cores mais nobres, ganhando mais graça e força.

Sono profundo - Aisha

... E ela adormeceu,
doce encanto no último suspiro, um sorriso de criança ainda por vir, a vida lhe saia pelas mãos que frias repousavam sobre o peito.
Tão bela, tão serena em seu sono de paz... O mundo lhe saudava pelas folhas que a brisa tocava, assim como sua pele, já fria pela ausência da vida, ainda mantinha o frescor da juventude que lhe corria pelo sangue no róseo tom que mesclava a tarde.
Nos braços que tanto desejou, repousava sob as lágrimas do amor que não vê agora mais motivo para viver.
E o que é a vida senão amar, entregar-se inteiro à paixão que desenha estradas a percorrer?
Ardente, em chamas, abraçando a dor que novamente cantava em seu corpo os acordes mórbidos do fim, soltou seu grito, um apenas, e o mundo pôde ouvi-lo.
O horror estampava-se sob as colinas secando as flores que rasteiras coloriam a paisagem. Era noite no coração do homem que um dia amou. Era noite no céu onde a lua se apagou. Era noite apenas, noite e nada mais.
Sumiu o sentido, aplacou-se no gemido rouco a paixão que avermelhava o horizonte. Calou-se a natureza nas vozes dos pássaros que não mais cantavam sua toada anunciando a manhã que também se negava a chegar.
Tudo virou silêncio. As ondas se voltaram para o interior do mar negando-se a quebrar nas praias beijando as areias que também se negaram a ser beijadas. Fecharam-se as almas no soluçar do vento que negava força à tempestade que não queria mais chegar.
... E tremeu a terra. Dos quatro cantos do mundo, surgiu o tremor avassalador encontrando os elementos no centro do corpo que não sabia ainda se caminhava na morte ou na vida que restava. Os pés que marcaram chão, criaram raízes depositando os sonhos em sepulcros soterrados por avalanches já desprovidas de quaisquer emoções.
Viu-se então um semblante a refletir-se na única gota não engolida pelo rio e nele, o adeus gravado no olhar que já ia distante do único corpo que um dia, pela alma da vida, conheceu o amor...

domingo, 20 de setembro de 2009

Amor revelado - Aisha (Poesia em imagem)


Amor e vida - Aisha - (Poesia em imagem)


Espero você - Aisha

Espero você!
não importa o tempo,
o lugar já sabemos,
meus espaços, os seus, o nosso
ou o céu que tão bem conhecemos.

Espero você!
São seus os meus momentos...
A distancia é só uma agulha
que costura sua imagem
nas linhas do meu pensamento.

Espero você!
Na boca, o prazer do beijo,
no corpo, o fogo que aquece
a vida tomando a forma
do sonho onde lhe vejo.

E nessa espera
sou só desejo,
sou o ponto final
do homem que vejo
nos espelhos de mim...
*Aisha*

sábado, 19 de setembro de 2009

Amanhã Talvez - Aisha

Amanhã talvez eu acorde,
decida, resolva, abra a janela e cante,
sopre alguma vela, levante a bandeira da paz,
apague a luz e acenda o cachimbo sem voltar atrás.


Amanhã talvez me saia bem
ou nem saia, me tranque em copas,
respire aspirando o aroma de alguma flor,
feche um pouco os olhos, esconda as mãos,
quem sabe os pés não fiquem pro alto, só amanhã...


Amanhã talvez pode ser outro dia,
mês que vem está longe demais...
Quem sabe não pinte meu dia em azul,
desenhe nuvens em algum céu, qualquer um
e invente novos sonhos para talvez um outro amanhã.


Talvez o amanhã venha mais rápido que o hoje,
talvez me debruce sobre a sombra de um ontem,
talvez me reste sementes em uma das mãos,
então ouvirei a canção que cantou o amor,
mas amanhã, talvez só amanhã e não mais!
*Aisha*

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Porque amei - Aisha

Verbo amar - Aisha

Amo... E amando sou!
Vento em tempestade ou simplesmente amanhecer,
sonhos e realidades, entrega sem espera,
acontecer...

Quem mais posso ser
senão o sol que beija o mar em alusão,
brisa só, leve abandono de mim
em total rendição...

Vibra a ação pensando ter,
amor suplantando ego, ilusão...
nada mais senão o que sempre foi,
pantomima do querer em fusão...

Choro na cadência da chuva que cai,
nessa ausência, apenas a vidraça desenha
a face que espelhada reflete a espera,
obtuso sentido em resenha...

Amo... E amando, o que mais posso ser
senão o verbo em ação
vibrando vida...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cotidiano - Aisha

Hoje seria um dia como outro qualquer, pelo menos foi o que pensei logo ao amanhecer. Como sempre, saí para trabalhar. Fui pelo mesmo caminho, aliás, pensando bem, talvez seja a hora de mudar minha rota, repetir caminhos fere a alma da gente, acaba nos deixando “cegos” a ponto de seguirmos como zumbis... Foi pensando nisso que me surpreendi ao ver em plena rua uma cena triste e chocante: Um homem no semáforo em uma cadeira de rodas, as duas pernas amputadas na altura dos joelhos, pedindo ajuda. Parei meus olhos no olhar daquele homem e o mundo também parou, pelo menos o meu mundo, os meus sonhos, os meus projetos para o dia que estava começando.

Perplexa, observei todos os carros e pessoas que passavam por ali normalmente, como se não enxergassem o homem. Talvez eu estivesse exagerando, talvez nem fosse algo tão importante assim, afinal, era um homem em sua cadeira de rodas sem as pernas pedindo ajuda num semáforo e o que isso tinha demais? Continuei meu caminho tentando ser “normal e racional” como todas as outras pessoas que por ali passavam e, ainda tentando me convencer de que estava mesmo exagerando, me deparei com um senhor, mas daqueles bem velhinhos, puxando um carrinho cheio de papelão. Estava em uma subida. Pude notar que estava difícil puxar o dito carrinho, mas lá ia ele, talvez esperando ganhar o dinheiro para o almoço, quem sabe... Não! Não era possível que essa cena também passasse desapercebida pelas inúmeras pessoas que transitavam por ali. Seria mesmo eu exagerada em meus sentimentos, ou estaria o povo já tão envolvido em sua cegueira que não conseguia mais enxergar a dor alheia?...
Sim, fiquei perplexa! Mas que raio de cidade é a minha? Meu Estado, onde fica? Onde mora o verde da minha bandeira ou o amarelo que representa o ouro? Ouro de quem e para quem? Só sei que esse ouro nunca chegou nas mãos dessas pessoas e muitas outras que pude ver nessa manhã. Passei a observar melhor a paisagem ao meu redor e vi que há muita gente vivendo sem nenhuma dignidade, em condições precárias e subumanas, sem o mínimo para ser reconhecido como um ser humano. Seres vivendo em condição de miséria absoluta, morando em buracos porque os barracos são caros demais. É pobreza em todos os sentidos, financeira, emocional, intelectual, cultural, pobreza de espírito. Revestem-se do estigma de incapazes, perdem os sonhos, a fé, a capacidade de ambicionar algo melhor, uma vida mais digna e ninguém os enxerga, ninguém faz nada...
Não cobro aqui solidariedade, aliás, cansei dessa palavra que já perdeu totalmente seu significado. Ser solidário é uma coisa, mas pegar para si o que é dever de outros, isso é abuso. Cobro sim desses que têm como dever governar a nação para benefício do povo, para o bem comum e não apenas para si próprio. Cobro dos governantes, dos políticos que em época de eleição – apenas em época de eleição, que fique bem claro aqui – colocam os pés nas ruas onde mora esse povo, caminha entre eles, entra nos morros com a finalidade única de angariar votos, mas que quando eleitos, esquecem-se completamente dos que os elegeram, fecham as cortinas e entregam-se às luxurias de seus palacetes, mentiras, roubos, desfalques em cofres públicos, pois sabem que para eles não há punição alguma, afinal, entre eles há muito “telhado de vidro” e como podem punir se cometem também as mesmas arbitrariedades?

Realmente, não sei para onde esse país, totalmente desgovernado vai. Renan é absolvido e isso me faz lembrar daquela mulher que ficou trancafiada a sete chaves por roubar um pote de margarina em um supermercado para alimentar a si a aos filhos. Não que eu queira defendê-la, de forma alguma, apenas gostaria que a justiça fosse a mesma para todos, tanto os de “lá” como os de “cá”, gostaria de ver um pouco de dignidade nos olhos daquele homem na cadeira de rodas do semáforo, de ver os deficientes e idosos serem tratados com o respeito e atenção que merecem, gostaria de ver as crianças, todas elas, tendo direitos reais para poderem ao menos sonhar e almejar algo melhor para si podendo ultrapassar as barreiras do preconceito e da descrença que recai sobre seus morros.
Sim Brasil, são seus os morros, as favelas, os miseráveis, os injustiçados. São seus os filhos sofridos que gritam, já sem força, pelo mínimo que é de direito a qualquer ser humano.
Não somos perfeitos, temos muitas e muitas falhas e muitas vezes até falhamos mais que acertamos, afinal, somos humanos, somos fragmentos tentando formar um todo completo e harmonioso que nos faça e faça a todos felizes... Sei que contentar a todos é quase sempre impossível, mas a vida é uma caminhada em busca da perfeição. Acreditar que isso seja possível faz parte da grande roda da vida que nunca para de girar. A fé realmente pode mudar muita coisa em nossas vidas, fé em um Deus, fé no que somos e carregamos em nós, fé no ser humano que tem grande capacidade de mudança, de cumprir seu papel, sua missão, seu destino nesse enorme e maravilhoso palco que é o universo e que abriga todas as vidas...E é justamente pensando nisso que muitas vezes me revolto ao ver que o ser humano, que acredito tanto ser meu semelhante, consiga renegar a própria alma, a própria missão, que consiga olhar o outro e simplesmente não se importar, deixando de fazer o que é seu dever e obrigação.
Onde mora a justiça? Onde estão os políticos, os governantes do meu município, do meu Estado, do meu Brasil? Tenho muita pena de ti meu Brasil, meu país tão amado e tão sofrido, injustiçado, roubado. Tiraram de ti o verde e amarelo, desbotaram o azul do seu céu, tingiram seu branco que dizia da paz com o negro do luto, da negligência, do pouco caso, da injustiça e das inúmeras fraudes. Hoje, maltrapilho como seus muitos filhos, chora em seus rios e mares a dor da impunidade, da tirania e da iniqüidade.

O mundo anda mal, doente, quase em fase terminal e o que dizer ao ver que isso se dá por nossa culpa? Afinal, nós somos os responsáveis pelo que estamos vivendo hoje. Nós votamos, elegemos, escolhemos e confiamos e só nós, povo, temos o poder de mudarmos nossa história. Quem sabe um dia o povo, meus irmãos, não venha reconhecer em si o grande poder que tem e possa ver, refletido nos próprios olhos, a justiça pela qual há muito brada... Talvez seja esse o primeiro passo para conseguirmos ao menos cumprir com nosso dever fazendo o que a nós foi confiado tanto pela lei universal quanto pelo simples fato de estarmos vivendo sobre a mesma terra, que cansada, clama por vida, justiça e paz.

Aisha

Homem, o senhor da vida - Aisha

Muitas vezes escolhemos nossas prisões. Nos sentenciamos sem piedade, sem clemência, sem direito a réplicas... Somos cruéis enquanto réus de nossos próprios espelhos e não nos damos direito à defesa.
Defendemos a natureza, o meio ambiente, o presente, passado e até mesmo um futuro que nem sabemos se chegará ou não. Defendemos as baleias, os micos, os pobres e oprimidos, estendemos a mão a muitos e negamos olhar nossas próprias sombras refletidas nas ações às vezes mal alinhadas em nossas vidas e nos acorrentamos cada vez mais nas prisões da carência, das incertezas, da solidão, da nostalgia, da insegurança e tantas outras.
Não percebemos que somos os geradores de nossas próprias doenças. As cultivamos na alma e permitimos sua expansão pelo corpo que foi criado apenas para o amor... E depois ainda saímos como loucos atrás de uma cura que está dentro de nós mesmos.
Seria engraçado se não fosse tão triste essa realidade que muitos de nós ainda nega-se a enxergar. Porque enxergar a realidade dói! É mais fácil viver na ilusão do que assumir o papel de um ser completo e total, pois é isso que somos, é disso que somos feitos e se acreditássemos nessa verdade, eliminaríamos os problemas que nós mesmos criamos, pois esses, diga-se de passagem, nós os criamos para termos motivo de viver a morte que também é nossa escolha.
Como podemos ver, tudo está em nossas mãos. Felicidade e tristeza, frustração e concretização, sucesso e fracasso, tudo depende única e exclusivamente de nós mesmos.
Somos nossos criadores, criamos a vida que temos e o futuro que queremos. Se paz ou guerra, se sorrisos ou lágrimas, se cores ou não, tudo depende de nossa vontade. A vida se coloca em nossas mãos e quando entendermos que não precisamos de nada e tampouco de ninguém para sermos felizes, afora nós mesmos, ai então entenderemos o quão complexos somos, o quão perfeito fomos criados.
Quando o homem acreditar em si mesmo, verá que não precisará mais de motivo para “ser”, pois terá a consciência, que por si só, já é e ai então alcançará a tão almejada realização.

“O homem é a vida, o sustentáculo e a morte do seu próprio corpo.’’

Aisha

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Confissão - Aisha

Eu ainda não sei muito da vida, tenho muito a aprender, sou ré confessa! Sei das minhas limitações e sei também o quanto sangro pra vencê-las.
Outro dia me peguei olhando pro céu. Esperava por algo que caísse à minha frente. Não um avião ou algo parecido, mas um milagre. Obviamente tal fato não ocorreu. Então percebi que o negócio era continuar assim, como sempre, cabeça nas nuvens e pés no chão. Percebi que ainda tinha minhas pernas e um resto de sangue pra sangrar frente aos limites que nunca admiti.
Ora sóbria, ora além de mim mesma, vou seguindo meus próprios passos sem acreditar em destino, pois esse eu mesma o faço.
Não aceito um não nem tampouco o maldito talvez. Quero a certeza e o sim. Sou o absolutismo e não o egocentrismo. Sonho em realidade, vida, vida e apenas vida tentando viver. Seria simples demais se o simples fosse uno, mas isso já aprendi, ele não é. Vem acompanhado de milhões e milhões de interrogações, indagações e tudo sem fundamento. Como é fácil ao ser humano fantasiar, inventar, colocar a roupagem que bem quer no nu que fazemos questão de mostrar. Realmente, há muito ainda a aprender... Se bem que nessas alturas da minha vida nem sei bem o que e se quero mesmo aprender mais alguma coisa, acho mesmo que gostaria de “emburrecer” um pouco. Esquecer, apagar, deletar certos fatos da memória, quem sabe não seria mais fácil colocar o dedo na boca, dar uma rebolada e partir pra dança da melancia?
Discrepâncias e mais discrepâncias e eu no meio dessa roleta russa tentando às cegas seguir meu caminho na minha paz, no meu modo de ver e entender o universo.
Até parece que só penso em mim, afinal, esse texto está recheado de “eu”, bem, e se assim for? Dane-se o mundo! Quer saber? Dou aqui meu berro. Hoje quero mesmo é pensar em mim, quem sabe não me falta mesmo o dito egocentrismo? Ser egoísta as vezes acresce...
O mundo pede por coisas que não estou em condições de dar e também não tenho vontade, estrutura e nem disposição pra tal. E pra ser sincera, já estou com meu álbum lotado e encerrado de pedidos, limites, regras, (pré) conceitos, revide... É, acho mesmo que encontrei a curva, minha esquina, aquela parte do caminho que não sabemos o que vem pela frente ou após o próximo passo, mas, como odeio rotinas... – se esqueci de mencionar, me perdoem, mas sou hiperativa e como tal, odeio tudo que se refere a rotinas e disciplina – mas o mundo parece amar, portanto, sinto muito, mas meu lugar decididamente não é aqui! Levanto acampamento, dou a volta carregando minha bandeira e saio de cena. Dou meu basta, pra mim chega! Feliz a águia que voa livre sobre o mundo na direção do sol, ou o cavalo selvagem que segue o vento pelas colinas sem pensar ou sem medir até que ponto está certo ou não. Quero mesmo é ser feliz!
Posso não saber nada ainda da vida, mas essa certeza carrego em minha alma. Quero ser feliz e Liberdade pra mim é o nome da felicidade.