quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cotidiano - Aisha

Hoje seria um dia como outro qualquer, pelo menos foi o que pensei logo ao amanhecer. Como sempre, saí para trabalhar. Fui pelo mesmo caminho, aliás, pensando bem, talvez seja a hora de mudar minha rota, repetir caminhos fere a alma da gente, acaba nos deixando “cegos” a ponto de seguirmos como zumbis... Foi pensando nisso que me surpreendi ao ver em plena rua uma cena triste e chocante: Um homem no semáforo em uma cadeira de rodas, as duas pernas amputadas na altura dos joelhos, pedindo ajuda. Parei meus olhos no olhar daquele homem e o mundo também parou, pelo menos o meu mundo, os meus sonhos, os meus projetos para o dia que estava começando.

Perplexa, observei todos os carros e pessoas que passavam por ali normalmente, como se não enxergassem o homem. Talvez eu estivesse exagerando, talvez nem fosse algo tão importante assim, afinal, era um homem em sua cadeira de rodas sem as pernas pedindo ajuda num semáforo e o que isso tinha demais? Continuei meu caminho tentando ser “normal e racional” como todas as outras pessoas que por ali passavam e, ainda tentando me convencer de que estava mesmo exagerando, me deparei com um senhor, mas daqueles bem velhinhos, puxando um carrinho cheio de papelão. Estava em uma subida. Pude notar que estava difícil puxar o dito carrinho, mas lá ia ele, talvez esperando ganhar o dinheiro para o almoço, quem sabe... Não! Não era possível que essa cena também passasse desapercebida pelas inúmeras pessoas que transitavam por ali. Seria mesmo eu exagerada em meus sentimentos, ou estaria o povo já tão envolvido em sua cegueira que não conseguia mais enxergar a dor alheia?...
Sim, fiquei perplexa! Mas que raio de cidade é a minha? Meu Estado, onde fica? Onde mora o verde da minha bandeira ou o amarelo que representa o ouro? Ouro de quem e para quem? Só sei que esse ouro nunca chegou nas mãos dessas pessoas e muitas outras que pude ver nessa manhã. Passei a observar melhor a paisagem ao meu redor e vi que há muita gente vivendo sem nenhuma dignidade, em condições precárias e subumanas, sem o mínimo para ser reconhecido como um ser humano. Seres vivendo em condição de miséria absoluta, morando em buracos porque os barracos são caros demais. É pobreza em todos os sentidos, financeira, emocional, intelectual, cultural, pobreza de espírito. Revestem-se do estigma de incapazes, perdem os sonhos, a fé, a capacidade de ambicionar algo melhor, uma vida mais digna e ninguém os enxerga, ninguém faz nada...
Não cobro aqui solidariedade, aliás, cansei dessa palavra que já perdeu totalmente seu significado. Ser solidário é uma coisa, mas pegar para si o que é dever de outros, isso é abuso. Cobro sim desses que têm como dever governar a nação para benefício do povo, para o bem comum e não apenas para si próprio. Cobro dos governantes, dos políticos que em época de eleição – apenas em época de eleição, que fique bem claro aqui – colocam os pés nas ruas onde mora esse povo, caminha entre eles, entra nos morros com a finalidade única de angariar votos, mas que quando eleitos, esquecem-se completamente dos que os elegeram, fecham as cortinas e entregam-se às luxurias de seus palacetes, mentiras, roubos, desfalques em cofres públicos, pois sabem que para eles não há punição alguma, afinal, entre eles há muito “telhado de vidro” e como podem punir se cometem também as mesmas arbitrariedades?

Realmente, não sei para onde esse país, totalmente desgovernado vai. Renan é absolvido e isso me faz lembrar daquela mulher que ficou trancafiada a sete chaves por roubar um pote de margarina em um supermercado para alimentar a si a aos filhos. Não que eu queira defendê-la, de forma alguma, apenas gostaria que a justiça fosse a mesma para todos, tanto os de “lá” como os de “cá”, gostaria de ver um pouco de dignidade nos olhos daquele homem na cadeira de rodas do semáforo, de ver os deficientes e idosos serem tratados com o respeito e atenção que merecem, gostaria de ver as crianças, todas elas, tendo direitos reais para poderem ao menos sonhar e almejar algo melhor para si podendo ultrapassar as barreiras do preconceito e da descrença que recai sobre seus morros.
Sim Brasil, são seus os morros, as favelas, os miseráveis, os injustiçados. São seus os filhos sofridos que gritam, já sem força, pelo mínimo que é de direito a qualquer ser humano.
Não somos perfeitos, temos muitas e muitas falhas e muitas vezes até falhamos mais que acertamos, afinal, somos humanos, somos fragmentos tentando formar um todo completo e harmonioso que nos faça e faça a todos felizes... Sei que contentar a todos é quase sempre impossível, mas a vida é uma caminhada em busca da perfeição. Acreditar que isso seja possível faz parte da grande roda da vida que nunca para de girar. A fé realmente pode mudar muita coisa em nossas vidas, fé em um Deus, fé no que somos e carregamos em nós, fé no ser humano que tem grande capacidade de mudança, de cumprir seu papel, sua missão, seu destino nesse enorme e maravilhoso palco que é o universo e que abriga todas as vidas...E é justamente pensando nisso que muitas vezes me revolto ao ver que o ser humano, que acredito tanto ser meu semelhante, consiga renegar a própria alma, a própria missão, que consiga olhar o outro e simplesmente não se importar, deixando de fazer o que é seu dever e obrigação.
Onde mora a justiça? Onde estão os políticos, os governantes do meu município, do meu Estado, do meu Brasil? Tenho muita pena de ti meu Brasil, meu país tão amado e tão sofrido, injustiçado, roubado. Tiraram de ti o verde e amarelo, desbotaram o azul do seu céu, tingiram seu branco que dizia da paz com o negro do luto, da negligência, do pouco caso, da injustiça e das inúmeras fraudes. Hoje, maltrapilho como seus muitos filhos, chora em seus rios e mares a dor da impunidade, da tirania e da iniqüidade.

O mundo anda mal, doente, quase em fase terminal e o que dizer ao ver que isso se dá por nossa culpa? Afinal, nós somos os responsáveis pelo que estamos vivendo hoje. Nós votamos, elegemos, escolhemos e confiamos e só nós, povo, temos o poder de mudarmos nossa história. Quem sabe um dia o povo, meus irmãos, não venha reconhecer em si o grande poder que tem e possa ver, refletido nos próprios olhos, a justiça pela qual há muito brada... Talvez seja esse o primeiro passo para conseguirmos ao menos cumprir com nosso dever fazendo o que a nós foi confiado tanto pela lei universal quanto pelo simples fato de estarmos vivendo sobre a mesma terra, que cansada, clama por vida, justiça e paz.

Aisha

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